quinta-feira, 21 de agosto de 2014
Primavera de flores e tarja preta
a inspiração me assume, profunda e lenta
leva o pensamento, o peso que me onera,
qualquer rigidez, toda tormenta escura.
Quando o som da primavera reverbera
tudo são as flores:
o ar, as ruas, a sensação de que a vida sobrevive
e sobreviverá, e voltarão as cores.
Que para todo o sempre
a inspiração das flores me motive.
domingo, 13 de julho de 2014
Crônicas de Curitiba: Os Godzillas curitibanos
Os godzillas curitibanos vêm de todos os lados, quando menos se espera. O povo percebe que são eles que se aproximam, pelo barulho, pelas cores, pelas luzes e pela velocidade. Como a evolução os fez perder as escamas, ganharam diferentes colorações, conforme sua miscigenação: azuis, verdes, alaranjados, amarelos, acinzentados. Alguns desenvolveram, devido ao seu tamanho, uma espécie de sanfona em partes do corpo, o que lhes permite agir com maior desenvoltura, aumentando seu poder de conquista territorial.
E é no trânsito que eles insistem em viver. Em Curitiba, o trânsito existiria sem eles, mas o transitar se faz impossível quando eles surgem. Todos os que temem pela vida e pela integridade sua e de seu automóvel devem abrir passagem, imediatamente, para que eles passem sem a agressão esmagadora que lhes é peculiar.
Percebi o quão iminente era a ameaça dos godzillas de Curitiba numa manhã, quando vi, pela primeira vez, um corpo sem vida, envolto em sangue, no meio da rua interditada. Ali ao lado estava ele, provisoriamente aprisionado: um godzilla verde. Pela televisão, alguns noticiavam o fato, e ouvia-se não saber se houve, de fato, culpa do godzilla no incidente; diziam que testemunhas teriam visto o rapaz, motociclista, cruzar o sinal vermelho. Pensei que poderiam estar sendo coagidas, possuídas pelos godzillas superiores, pois o rapaz não havia sobrevivido para contar sua história. Enfim, me calei, pois ainda não conhecia a saga daquela raça.
Aos poucos, o noticiário godzilliano foi tomando conta das minhas manhãs, através do telejornal. Vi godzillas arrastarem pessoas presas em suas bocas laterais, que abrem e fecham em paradas estratégicas, abocanhando pessoas até que caibam ali - sentadas, em pé, caídas, não importa. Vi godzillas atropelarem pessoas na faixa de pedestre, arrematarem veículos inteiros nas esquinas, nos sinais, e vi tudo isso pelas câmeras que alguns humanos corajosos ainda ousavam transmitir.
Em dois anos vivendo em Curitiba, aprendi que os godzillas não tinham piedade. Uma quase certeza me veio numa outra manhã, vendo outra vez uma motocicleta caída quase na mesma esquina da anterior, manchas de sangue no chão, e depois a notícia: duas vítimas fatais de mais um godzilla verde. Mais uma vez, noticiava-se que seria o motociclista o culpado. Foi nesse momento que comecei a sentir medo: havia, sem dúvidas, uma conspiração a favor dos monstros que habitavam nossas ruas.
Um dia, a caminho de casa, presenciei uma quase cena de horror causada por mais um godzilla da mesma cor: sinal vermelho, o monstro cruza ao meu lado e quase abocanha vários motociclistas que haviam acelarado no abrir do sinal da pista perpendicular. Se o pior acontecesse, e não estivéssemos ali, pergunto: quem seria o culpado? Certamente, aquele que não sobreviveu para contar a sua versão da história.
Passei a pensar que a agressividade pairava sobre aqueles que tinham aquele pigmento: o verde. Como eram menores em quantidade transitando pelas ruas comuns, me senti menos acuada. Porém, tudo mudou.
Por força das mudanças da vida, fui arremessada para dentro do trânsito de Curitiba, atravessando de um lado a outro da cidade, passando por um lugar extremamente aterrorizante: o ninho dos godzillas amarelos. Apesar de ter vivenciado nessa rotina fatos tristes com godzillas de todas as cores, posso afirmar que nunca se viu antes, em outro lugar do planeta, lugar do trânsito que exija tamanha concentração e coragem para ser atravessado. Ali não há lei, é uma terra sem qualquer intervenção dos humanos: tudo é controlado por eles, os monstros amarelos. Não há sinal vermelho que os segure, e os humanos com seus veículos vão inacreditavelmente se rendendo ao poder dos mostros, saindo da frente, pisando no freio, respeitando aquilo que não se deve respeitar. É o medo. No horário de final da tarde, utilizar as pistas das ruas dos arredores é um ato heróico, principalmente se provar forte o suficiente para sairem ilesos, o humano e seu veículo.
Os godzillas de curitiba, apesar de não serem providos de asas, voam. Possuem rodas, e voam! Certo dia, nessa zona turbulenta, deixei um posto de combustível e adentrei com meu veículo a primeira pista da direita de uma rua com quatro pistas vazias, quando fui surpreendida por um godzilla que se aproximou voando pela pista da minha esquerda. Veio tão veloz que não foi possível ver de onde veio, tão poucos foram os segundos que precisou para me alcançar. Quando sua cabeça atingiu uma curta distância à minha frente, ainda com o corpo ao meu lado, começou a se lançar sobre mim, até me transpor por completo: simplesmente ficamos, eu e meu veículo, presos entre o monstro e a calçada, até que eu freasse meu veículo por completo, até parar abruptamente para que não fosse aniquilada. Assim, tão naturalmente, ele se pôs na minha frente, até parar. Tão naturalmente. Fugi, quando me recuperei, torcendo para que não me alcançasse, me sentindo uma sobrevivente naquele reino aterrorizante.
Dessa minha vida no trânsito têm me restado sustos, alertas, e uma coragem que vai nascendo aos poucos, para enfrentá-los. Apesar de viver num reino em que os humanos já se sentem tão acuados a ponto de reservar ruas inteiras só para os monstros transitarem, tenho esperança que, se conseguir fotografar o identificador dos monstros e alguns fatos hediondos que presenciar, algum órgão maior de apoio aos humanos possa fazer alguma coisa. Talvez precise da imprensa, talvez precise de cenas fortes, de pedaços de corpos de motociclistas que não sobrevivem para contar história - é preciso que algo de impacto aconteça para que os humanos se organizem para combater o reinado dos godzillas.
Por enquanto, vou colecionando memórias e registros, contas, como aquela que foi paga para consertar o pára-choques do veículo que foi agredido por um dos godzillas, quando estava estacionado próximo do ponto onde os godzillas param para abocanhar pessoas. Logicamente ele se foi, naturalmente, tão naturalmente como sempre, e jamais aceitará pagar essa conta. Até porque, segundo a lenda, o corpo de doutores advogados do Reino dos Godzillas orienta que pode cuidar com tranquilidade de todos os assuntos relativos a danos que os godzillas causam no espaço exterior - devem cuidar apenas daquilo que trazem dentro das suas barrigas, das pessoas que abocanham nas paradas estratégicas, pois estas sim custam mais caro. Assim, inteligentes que somos, não cobraremos a conta, temendo a vingança dos godzillas superiores. Não vamos por enquanto à imprensa, nem à Polícia, porque não temos provas - não há tempo para registros, há que ser muito ágil para fotografá-los enquanto fogem voando tão depressa.
Apenas recomendo aos meus amigos que tenham coragem, que se organizem, que não percam a esperança de combatê-los. Venho estudando e treinando a técnica do barulho e do estrago maiores, sem que se perca a segurança: não darei passagem, não me abaterei, gritarei contra eles com todas as forças da buzina do meu veículo, sempre com cinto de segurança, com os vidros fechados, e com o mais importante: minha câmera fotográfica.
segunda-feira, 30 de junho de 2014
Da alegria de ser imperfeita
A pessoa que nascia tinha uma simples e conflituosa novidade: tinha limites. Tinha limites! Limites, limitações, todas muito confusas, todas tão diferentes para quem sempre se autodenominou alguém sem limites, que tudo pode, que não se importa se seus pés forem quebrados, porque se acredita forte o suficiente para andar sem eles.
Eram limites que se impunham no meu caminho, paradas obrigatórias. De repente, eram pausas que, de lapsos de consciência, passavam a interrupções claramente necessárias na vida louca. Era a vida que chutava para que o passo fosse dado adiante, ensinando que seguir em frente significa, muitas vezes, retroagir. Era o anseio de mudar, de querer o novo, e um novo mais pleno de paz, de espaços para si. E era a paz. Era paz, como nunca antes havia sentido. Era suspirar fundo, chorar de felicidade sem qualquer emoção - simplesmente quando os olhos fecham e a lágrima cai, molhando um curto sorriso contido, silente.
Era paz, um sentimento tão novo, tão profundo.
A metamorfose, essa coisa tão lenta, de tantos meses, tantos dias que voam sem se ver; tantas intervenções, tantas conclusões, diagnósticos dolorosos e permanentes que sempre trazem, primeiro, a terrível negação. E, de repente, um ano depois, quando se vê, vem surgindo uma conclusão lá no fundo, totalmente branca, pura, sem qualquer véu: eu aprendia a amar essa nova versão de mim.
Porque amor requer respeito, aceitação, mas não existe amor sem admiração - e eu admirava aquela nova pessoa, que tomava decisões difíceis, que se despia da armadura de personagem invencível, que voltava no tempo e na memória para gravar uma nova frase: eu sou imperfeita! E era tão bom se permitir a imperfeição. Era tão libertador ser imperfeito, tão imensamente libertador.
De repente éramos eu e o meu reflexo, totalmente novo, como dois seres que se conheceram tão recentemente: um, vivendo na lembrança do antes do fato metamórfico; outro, vivendo no agora, acordando todos os dias para um novo dia, com sangue quente, correndo nas veias. Éramos duas versões de um mesmo ser, totalmente distintas, totalmente avessas, e com um sentimento em comum: nos amávamos. Uma, ciente de que foi responsável por tantas maravilhas ao longo de, talvez, uma metade da minha vida; outra, compreendendo que era preciso aquela pausa, aquela guinada na direção, e uma guinada que vinha, de repente, abrindo novos horizontes muito mais coloridos.
Era um momento de aceitação, de encantamento, de emoção. Éramos nós duas, eu e eu, antes e depois, faces opostas e tão complementares, tão intensas - e tão leves, finalmente se permitindo remover o véu da perfeição.
sábado, 28 de junho de 2014
Este Amor Verde-Amarelo
A ansiedade na espera de um grito
Um momento, um olhar tão aflito
A expressão do fervor mais bonito
Este público verde-amarelo!
Ah, olha a cor destas ruas!
Passo a passo esta forte presença
Cada um na sua na sua fé mais intensa
Como um réu a esperar a sentença,
Demonstrando essas crenças tão suas!
Ah, olha a cor deste riso!
Receoso, assanhado, inquieto
De mãos dadas, num rito discreto
Orgulhoso por ser tão completo
Orgulhoso por ser tão preciso!
Ah, olha a cor desta guerra!
Nesta hora em que todos se irmanam
Nesta garra que todos emanam
E sem raça, e sem cores declamam
O amor que mantêm a esta terra!
Ah, olha a cor brasileira!
Somos tantos no mesmo gramado
Nossas mãos, nossos pés lado a lado
Nosso olhar sempre maravilhado
Na paixão pela nossa bandeira.
quinta-feira, 10 de abril de 2014
Crônicas da Paraíba
- E agora, José?
Agora tudo certo, porque daqui alguns dias já estarei em Curitiba, tomando meu leitE quentE no conforto do lar.
Mas por aqui a gente passa uns apertos com o tal do português.
Fui à farmácia mais próxima do hotel, umas duas horas da tarde. A moça estava no balcão, mas quando tentei entrar, a porta estava fechada.
Com toda minha educação e medo de ser inconveniente, perguntei, antes de entrar, quando ela abriu a porta:
- Vocês já estão em horário de atendimento?
- Héin? - a moça não entendeu, aumentou os olhos e franziu o nariz, como fazem por aqui quando não entendem alguma coisa. Vale comentar que o "hein" daqui tem acento agudo no "e", assim como eu escrevi mesmo. Repeti:
- Vocês já estão em horário de atendimento?
- Hã?
Pausa na história para comentar uma coisa engraçada por aqui, que é que o "hã" daqui é o mesmo "rã" do Paraná. O h e o j por aqui tem aquela coisa anasalada, por exemplo: ao invés de dizer JAcaré, a gente diz HÁcaré. Deu pra entender?
Por outro lado, quando você está fazendo uma afirmação, a frase começa e termina com "já":
- Já cheguei já! (leia-se: háxeguêjá)
- Já estamos indo dormir já! (leia-se: hátamuinudumijá)
Algo assim, fácil fácil de contaminar. Ontem por exemplo saiu, falando com a minha mãe ao telefone:
- Já tamos na cama já! (pronunciada assim, normal, só acrescentando o já no final - o que já é um indício de contaminação)
Mas o que mais nos confunde por aqui é o "Pronto!"
"Pronto" pode ser usado em diversas situações, sempre positivas, geralmente no começo das frases, por exemplo substituindo:
Então - "Pronto (então), você pode seguir por essa rua mesmo."
Ok - "Pronto (ok). Vamos esperar."
Sim - "Você pode me dar a receita desse bolo?" / "Pronto (sim)!"
Concordo - "Pronto (concordo)."
Aí fudeu - "A moça atravessou a rua e o carro pegou, aí pronto!
E por aí vai. Pronto é a primeira palavra que a gente precisa aprender a interpretar nessa terra. Entendeu? Pronto!
E aí tem que ter um certo cuidado com os pedidos de comida. No café da manhã, pedi uma tapioca com queijo e goiabada.
- Qual queijo? - perguntou a tapioqueira.
- Queijo comum mesmo! - respondi.
Por sorte, ela repetiu, para confirmar:
- Pronto, então uma tapioca com goiabada e queijo coalho na chapa!
Aí deu tempo de salvar e dizer que não, era com queijo mussarela - o que é queijo comum para cada um?
Ontem à noite, fazendo um pedido pelo telefone para servir o jantar no quarto, perguntei à moça que atendeu se o tamanho da porção de filé mignon servia duas pessoas.
- Depende do tamanho da sua barriga! - ela respondeu, bem feliz.
- E essa porção de iscas de peixe... Qual peixe é?
- Peixe comum mesmo!
- Certo... Mas qual peixe é o peixe comum?
- Ah, daí a senhora me pegou! Mas é bem bom o peixe, viu?
Por via das dúvidas, pedimos os dois.
Mas voltando à história da farmácia, quando a moça não entendeu minha frase pela segunda vez, quase silabei, como se fosse uma turista brasileira falando português no exterior:
- JÁ-ES-TÃO-A-TEN-DEN-DO?
Aí veio a resposta:
- Pronto!
Meu marido depois me ensinou como proceder numa situação parecida: a solução é economizar vocábulos. Eu deveria ter dito rapidinho:
- Já tá atendendo já? (leia-se: játatendenujá?)
Hoje vamos comprar um dicionário para aprender um pouquinho mais e estarmos mais aptos para a comunicação na próxima visita. Por exemplo, a gente precisa aprender se quer a coca-cola lata ou ks(?), ou se quer comer um bife zoiúdo no almoço, ou cuidar para não pedir paçoca esperando a sobremesa e receber um prato de carne de sol refogadinha, toda linda, igualzinha à paçoca que você esperava - só que não.
Delícias e perigos dessa Paraíba que eu já amo tanto já.
Cicatrizar
Nenhuma das cicatrizes deve doer
nem mais
que o suficiente para despertar a gratidão
nem menos
que o suficiente para despertar a lembrança
Mas cada cicatriz deve doer sempre e para sempre
a mesma dor que aperta a emoção
contida no peito
a dor tão grata de quem deseja não desistir jamais
De ter sempre nos olhos aquela mesma cor
aquela mesma luz, mesma paz
aquela mesma risca branca na pele
simples marca,
sagrada cicatriz.
quarta-feira, 9 de abril de 2014
Meus lençóis
Não quero o linho, a seda, nada,
eu, que me deleito, me reencontro
com algo que fui e que não sei
sempre nos mesmos lençóis
de areia
quinta-feira, 20 de março de 2014
Outono de mim
meu tempo, minha antologia
que me envelhece um ano em um dia
Minhas folhas colhidas
meu fim, meu começo
meu mar, minha intensa dor
meu imenso amor
meu interior tão denso
Meu março, esparso intervalo
em meu coração
Meu gargalo,
minha reconstrução.
Meu março, embora às vezes tão frio,
nunca leva o meu verão.
domingo, 16 de março de 2014
Crônicas de Curitiba - Privacidade na Pizzaria
Casa cheia, esperamos no bar até liberarem uma mesa, eu torcendo para que a mesa liberada fosse lá no fundo, onde tinha um lugar mais escuro e mais reservado. Chegou o maître:
- Por favor! - e apontou para uma mesa que ficava quase na porta do restaurante.
Frustração.
O ambiente era muito bonito, acolhedor, só esqueceram de tratar de uma coisa, que tanto me importa: a acústica. Eu não conseguia prestar atenção em outra coisa senão no barulho dos garfos batendo nos pratos, dos pratos batendo nos outros pratos, dos copos batendo nos pratos (?), dos copos batendo nos outros copos, dos garfos batendo nos outros garfos, no coro de vozes que ecoavam pelo ambiente. Foi subindo aquela ansiedade que doía no peito, mesmo com todos os comprimidos diários que me alimentam desde o meu acidente, há um ano.
Sentamos, abri o cardápio. As pizzas tinham nomes de gente, de coisas diversas, extremamente criativas - menos de pizza. Não dava para ter uma pizza chamada "Portuguesa"? Precisávamos ler a lista de ingredientes para ter noção sobre o que seria cada uma delas - um cansaço, pensei.
Ele comentou:
- A pizza de linguiça defumada não tem queijo!
Uma pizza sem queijo, Senhor! Onde se viu isso? Ah, é hábito paulista. E eu lá sou paulista? Eu queria ir embora, atravessar a cidade até aquele outro lugar para onde tínhamos imaginado ir, inicialmente. Ele achou que seria chato ir embora, e então ficou com a responsabilidade de escolher os sabores, até que decidimos, na forma simples e italiana de pedir pizza: calabresa e quatro queijos.
Uma coisa deveria ser certa: todo mundo saberia o que é uma pizza de calabresa e uma de quatro queijos, fosse qual fosse o nome.
Quando chegou o garçom para anotar o pedido, antes de deixá-lo falar, fiz aquela cara de sofrimento e implorei:
- Não teria alguma mesa em algum lugar mais reservado do salão, não assim NO MEIO DA PORTA?
Foi verificar, voltou com uma indicação. Olhei, mesa com dois lugares, lá no fundo, do lado de uma janela. Perfeito. Ao lado da nossa mesa, com um intervalo de espaço que mal permitia passar uma pessoa, outra mesa com dois lugares - vazia. Orei:
- Que esta mesa permaneça vazia, amém.
Mas a mesa ficou vazia por apenas alguns minutos. Por sorte, o casal da mesa ao lado falava em tom aceitável.
Fizemos então o pedido, conforme deliberado anteriormente:
- Calabresa e quatro queijos.
- Calabresa com ou sem cebola?
Podia ser com cebola.
Veja: foi apenas essa a pergunta com relação à pizza de calabresa. É importante memorizar essa informação.
Dentro de uma meia hora, veio o garçom com uma daquelas mesinhas de apoio onde colocam a pizza. Colocou a mesinha de apoio entre a nossa mesa e a mesa ao lado, e o espaço parecia ter sido pensado exatamente para permitir APENAS a introdução de uma dessas mesinhas. Era daqueles restaurantes nos quais o garçom domina a pizza (que fica na mesinha de apoio), e o garçom serve cada pedaço, a cada vez que vê seu prato vazio, com um espaço de tempo entre um pedaço e outro, como se dissesse:
- Ok, comeu seu primeiro pedaço, agora aguarde até que seja digerido. Pronto? Ok, vamos para o segundo pedaço.
Eu não gosto que ninguém domine a minha pizza. Quero cortar e comer só a borda de todos os pedaços, quero cortar um pedacinho de cada sabor, do tamanho que eu quiser. Quero comer um após o outro, não quero intervalos. Quero que o garçom apenas se ocupe de perguntar se a gente quer mais alguma bebida.
Mas o pior não era isso: era a mesinha de apoio. Aquilo estava me intrigando, porque não colocaram uma mesinha de apoio do outro lado da outra mesa. E o pior ainda não era isso: era a confirmação de que a mesinha seria dividida entre as duas mesas. Veio o garçom com duas tampas, colocadas uma ao lado da outra, na mesinha de apoio, só esperando chegarem AS DUAS PIZZAS.
Era absurdo! Comentei com meu marido:
- Vamos dividir a mesinha com eles???
Ele riu. Aquilo era um "sim, por quê?"
- Está rindo do quê? É como se estivéssemos na mesma mesa!!! Eles vão ficar vendo nossa pizza???
E se eles mexessem na nossa pizza? E vamos ter de olhar para eles se formos mexer na nossa pizza antes do garçom???
Só faltava eles dizerem "olá"! Humpf.
Tenso. E ele ria - e isso era mais tenso ainda.
Depois de quase uma hora, chegou a nossa pizza - antes da pizza dos vizinhos. E eles que não olhassem para a nossa pizza.
Para encerrar a saga, cortamos o primeiro pedaço da pizza de calabresa, a massa integral (que pedimos) seca e fina que não dava para fincar o garfo. E ele percebeu:
- A de calabresa não tem queijo!
A de calabresa não tinha queijo!!! A de calabresa não tinha queijo, a de calabresa não tinha queijo. Onde já se viu uma pizza de calabresa sem queijo???
O garçom chegou, para servir mais um pedaço de pizza (não precisávamos do seu trabalho). Mais uma vez, não aguentei:
- Estou frustrada com essa pizza de calabresa sem queijo!
- Ah, sim. A de calabresa não tem queijo. Mas nós temos a %$k& (falou o nome), que é de calabresa com queijo. A outra é a paulista, lá eles têm o hábito de não colocar queijo na pizza de calabresa. O garçom não perguntou para confirmar se de fato vocês queriam a de calabresa paulista original ou a com queijo?
Não, o garçom não perguntou. E a gente queria uma pizza de calabresa igual a todas as pizzas de calabresa do mundo, exceto a paulista.
Na saída, confirmamos no cardápio: a pizza cujo nome é "Calabresa" era aquela, de calabresa sem queijo. Quem mandou a gente pedir pelo nome comum?
Enfim, pelo menos ninguém mexeu na nossa pizza. Nem o garçom, que quando veio, na intenção de servir o terceiro pedaço, apenas recolheu a forma, que já estava vazia. Eu só queria não pagar a gorjeta, porque afinal de contas ninguém perguntou se a gente era italiano ou paulista - mas ele pagou, não me deu ouvidos.
Conta quitada, o garçom se foi, agradecendo.
Só faltava dizer, na saída, um boa noite!
Humpf.
Crônicas de Curitiba - O espaço alheio
Num auditório, escolhi um lugar bem no meio, deixando um espaço de duas poltronas até a parede, para ter menos possibilidades de alguém sentar ao lado. Tinha um sorriso de canto de boca na minha cara.
No meio da palestra, um casal chegou, homem e mulher (é importante esclarecer, porque casal nem sempre significa homem e mulher), parou bem ao lado da nossa fileira de cadeiras. Olharam para as poltronas livres nas fileiras adiante, eu torcendo para que continuassem olhando para frente, como manda a psicologia: cabeça erguida e olhar adiante. Mas o olhar deles se voltou para a sua esquerda. Era onde eu estava.
Com um sorriso no rosto, ela acenou: ali! Apontando na minha direção. Escolheram as duas poltronas que eu tinha guardado só pra mim ali do ladinho, e vieram, ambos simpáticos, pedindo licença, passando muito sorridentes até se sentarem, ela bem ao meu lado.
Não era um bom dia, então o jeito foi criar um biombo mental.
Só me faltava agora me dizerem boa tarde! Humpf.
quinta-feira, 6 de março de 2014
Crônicas da Intimidade - O melhor de ser mulher é...
- Puxa, que difícil responder a essa questão sem ofender os homens! O melhor de ser mulher é...
- Mijar sentada?
Gargalhada imediata, quebra total do romantismo dos meus pensamentos.
É isso o amor: uma troca contínua - sempre vale a intenção de ajudar o outro!
terça-feira, 4 de março de 2014
Não deixe
do que se anuncia
em mim
Só não deixe, não deixe,
não permita que eu seque
o choro
deixe-me chorar
Apenas me faça
aquele sorriso emocionado
embora molhado
sorriso de quem faz olhar, e olha, e vê
coisas coloridas na vida
Só não deixe que a penumbra
não permita ver
onde está você
Só não deixe que eu me perca
de você
Só não deixe, só não deixe
Não me deixe,
meu amor.
domingo, 2 de março de 2014
Saudosa choupana cosmopolita
sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014
Estranha no espelho
mas não se vê
quando, muda, a mudança acontece
sem qualquer sussurro
dentro de você
É quando não se reconhece
nenhum reflexo
Quando, frente ao espelho,
nada é verdadeiro
tudo está do avesso
Quando uma voz que se liberta
é sua, mas não é;
voz que num instante é submissa,
no outro, se agita
- inesperada maré
É quando não há certeza
do brilho no olhar:
brilho de estrela, toda luz própria,
ou brilho de gota
esperando secar?
Quando fica o dia sem cores
aos olhos castanhos.
E os entes que o habitam se entreolham,
não se reconhecem, perdidos:
são estranhos.
domingo, 16 de fevereiro de 2014
O porquê de voltar: uma história que não deve ser lida
Mas o melhor de tudo eram as pessoas. Eram as pessoas mais sinceras do mundo, a menina sentia. As pessoas eram bem diferentes daquilo que ela conhecia como pessoas. As pessoas eram felizes, não importavam as condições difíceis que são impostas pela natureza a quem vive, de fato, naquele lugar, e não apenas passa alguns dias de férias e sol. As pessoas sorriam. Os contatos tinham olhos felizes, receptivos, tinham gentileza.
- Tem mais um corte aqui!
A realidade é sempre dolorosa. Tomando consciência da situação em que estava, pediu para tomar banho, pediu se tinham toalhas, ganhou então um lençol da enfermeira, como uma alternativa para possibilitar o banho, já que não haviam toalhas na enfermaria. E foram para o banheiro, o único banheiro disponível, ela e seu amado. Receberam sabonete e uma cadeira.
O quarto trouxe certo alívio para aquela sensação terrível de espera pela próxima tomografia. A menina ainda precisava de ajuda para caminhar, porque a tontura não deixava dar um passo certo. Os lapsos de consciência permaneciam. A cada hora era um enfermeiro novo, um novo medicamento no soro, um novo frasco enorme de soro, um novo comprimido.
No final do quarto dia, a menina teve um pedido especial a fazer, quando a nutricionista veio fazer a visita no quarto:
No quinto dia, o amado trouxe docinhos, todos decorados, em forma de bichinhos. Não havia palavras para descrever o tanto de amor que ela sentia por ele, pelos seus gestos. E isso que ela nem imaginava o que se passava lá fora, o quanto ele se esforçou para resolver todas as questões, mudar as passagens, obter a autorização médica para viagem de volta, mudar de hotel, manter as pessoas do outro lado do Brasil informadas.
Até a viagem de volta, muitas lágrimas aconteceram, todas de emoção. Não houve sequer um minuto de desgosto pelo que tinha acontecido, pelo menos não para a menina. Ela tinha a certeza de que havia um motivo para todas as coisas sob o céu, e que ainda entenderia o porquê - mas que não poderia haver lugar mais humano para passar pelo que passou.
sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014
Amanheça
domingo, 9 de fevereiro de 2014
Lucidez
Teu olhar pousou em meu semblante
e em vivo rubor deixou-me a face.
E eu, só eu,
abandonei-me a teus olhos e a ti
como o orvalho que cai da flor.
Quando dei por mim,
percebi a real imensidão do teu encanto.
Teu olhar fitou-me com candura
e me deixei embriagar no teu olhar.
Se pareceu-me um sonho,
já não me espanto.
Na lucidez ainda é maior o teu encanto.
sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014
Poesia no abismo
terça-feira, 4 de fevereiro de 2014
Vitória-régia
cataclismo de flores coloridas
madrugada serena no leito do rio
espelhos convexos de paciência.
Como são ricos teus olhos-fontes
e meus poemas-folhas-deslizantes
na tua doce maresia
E agora,
e mesmo antes, e muito tempo depois,
nasce um bucólico poema para ti.
Porque só contigo os campos ficam verdes
e as flores coloridas me inebriam o olhar.
quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
Artêmio
Acho que se chamava Artêmio
mas eu não eu podia perguntar
se ele me fitasse seria
enlace
aquela coisa difícil de escapar
de conter, de controlar
de repente, tudo me olhava
me perseguia, me dominava
eu não perguntei o nome dele
eu não podia
porque o mundo tinha olhos e nos via
eu nem me permitia
beijar a sua mão
como forma de gratidão
nem dizer que ele era meio mágico
que ele tinha amanhecido mais fantástico
eu não podia nem dizer meu endereço
eu não podia eu não podia
dizer de verdade aquilo que eu sentia
de repente tudo era suspeito
as mesas as cadeiras as flores do canteiro público
Acho que era esse o nome dele
Artêmio era um nome um pouco estranho
bem que eu queria ter perguntado
mas você entende, eu não podia
ele me olhava, eu sorria
eu queria dizer mais, mas não podia.
segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
Explicação
Quem poderá explicar o verso que escrevi?
Encontrar o sentido, a origem, a meta?
E se eu versejar:
“Chorei.”
Quem saberá meu motivo real?
Se é minha lágrima histérica
romântica, melancólica,
política
ou de amizade, ou de luto
ou de doença, ou de espanto
ou de simples pranto
ou de desencanto?
Não lamente nem cante. Não grite.
Não tente entender um poeta:
há bem mais de sete faces em cada verso.
Meu verso é raro; não inoportuno.
domingo, 26 de janeiro de 2014
Correnteza
Há alguns anos tu choves sobre os meus cabelos.
Gotas, gotas,
incontáveis gotas escorrem pela minha pele.
Agora estou sentada à beira do mundo
contemplando, calada,
os vestígios que deixaste.
Teus rastros na poeira estão extintos,
teus lábios são os meus olhos, cerrados.
A tua chuva chove em mim todo este tempo
Me lava, me leva
me deixa à mercê da correnteza selvagem.
A tua chuva tirou minha base forte,
meus pés buscam em vão um apoio estável.
Tu choves, choves constantemente,
amanheço e adormeço sob tuas gotas,
minhas certezas diluídas na umidade.
A tua chuva não cessa, por mais que eu lhe peça;
agora estou me afogando na enchente.
Mas te aviso, te aviso que pares:
o passado, é em vão,
tua chuva não lava.
O Observador
Tenho observado a vida e como ela passa.
O passado se perde na fumaça da lembrança
e agora remoemos nossas falhas e imploramos em silêncio
por perdão.
A verdade é sempre dolorida e, às vezes,
chega tarde.
Passamos nós num caminho oblíquo
não temos tempo para pensar
estamos por demais ocupados e sonolentos,
sobrevivemos.
Tenho observado a magia de algumas crianças.
Tenho me sentido dentro delas,
uma fada para atender os seus encantos,
como se pudesse tornar os seus encantos imortais.
Um dia me tiraram a magia:
a ciência mata o pouco encanto que temos.
Ah, como era bom acreditar no que não existia!
Essa coisa fantástica que vem nas crianças
e nos idosos e nos nossos pais
um pouco menos conhecedores da verdade
mas não menos sábios!
A verdade, esta verdade que vemos nos livros,
que nos instrui, que nos faz preparados,
que nos firma o intelecto,
esta é a verdade que mata a nossa poesia.
Queremos saber tudo, queremos saber mais,
queremos conhecer toda a tecnologia
queremos saber do ocultismo, a vida após a morte
queremos o porquê, a causa, a circunstância,
queremos as respostas que outrora não existiam,
e que por não existirem fizeram a vida tão mágica!
Tenho observado o quanto estamos desconcertados.
Tenho observado as rimas, que começam a fugir, assustadas.
Tenho observado as novas cifras, um tanto repetitivas;
as novas crianças, um tanto alienadas;
as novas poesias, um tanto severas, um tanto esperançosas.
segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
O cheiro que dói
O vento traz então aquele cheiro
de saudade, das flores amarelas,
do bálsamo,
do perfume que não apraz
Aquele cheiro que me leva a ti,
minha querida lembrança branca
um pouco cinza, um pouco triste,
apenas suavizada pela imagem que não se apaga
do teu rosto,
sereno.
segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
Pousada dos Anjos
que o faz vê-lo
além do elo dos olhos
É o que transcende, o puro,
seja branco, amarelo,
a cor que desejar entendê-lo
Porque o belo, o mais belo,
é o que, num instante, te admira,
no outro, a entretê-lo,
de repente te suspira:
a vida respira!
Aspiro e levo comigo
para onde desejar expirá-lo:
aspiro o puro, o branco, amarelo,
celestial e simplesmente
belo.
- Canela/RS, 14-01-2014
Aquele amor
me assustava, me seduzia,
me parecia a coisa exata que eu queria.
Aquele amor me pretendia
me cercava, eu, arredia;
me acordava no meio da noite fria.
Aquele amor me dopava,
me transcendia, me transpirava,
me distanciava de tudo que eu temia.
Aquele amor que eu adormecia
que eu rejeitava, eu me escondia,
eu me encarava e ele me aparecia.
Aquele amor que eu hesitava
eu duvidava, estremecia,
eu me entregava, eu me rendia.
Aquele amor que eu sonhava
que eu pensava que não existia
aquele amor... me acontecia.
Aquele amor que me ressuscitava,
transbordava em mim a poesia.
Aquele amor era um amor que se expandia.
Aquele amor,
perpetuava.
Metaforize-se
- vê-se
leia-se
- e se fosse?
Entre a flor colhida
e a flor que cresce
há tanta pressa
e tanta vida
e tanta prece!
Leia-se:
e se fosse?
Metaforize-se.
sábado, 4 de janeiro de 2014
Cacofonia
Não mais que um sonho
Não mais que um fogo
Não mais que um ego
Não mais que um tanto
Não mais que um ato
Não mais que um canto
Não mais que um fato
Não mais que tudo
Não mais que sós
Não mais que o mundo
Não mais que nós