segunda-feira, 30 de junho de 2014

Da alegria de ser imperfeita

Eu não sei ainda quantas serão as fases, tudo o que sei é que aquela metamorfose se instaurou. E a consciência veio quando, de repente, não havia no espelho qualquer reflexo de quem fui: havia alguém que tinha pausas, olheiras, que tinha sono, tinha um longo suspiro estufando o peito. Alguém que tinha revoltas, tinha um cansaço da velha aceitação, das coisas que "Deus quis assim", da impunidade. E assim nascia alguém que tinha escolhas - e eu começava a amar esse novo alguém que me habitava.

A pessoa que nascia tinha uma simples e conflituosa novidade: tinha limites. Tinha limites! Limites, limitações, todas muito confusas, todas tão diferentes para quem sempre se autodenominou alguém sem limites, que tudo pode, que não se importa se seus pés forem quebrados, porque se acredita forte o suficiente para andar sem eles.

Eram limites que se impunham no meu caminho, paradas obrigatórias. De repente, eram pausas que, de lapsos de consciência, passavam a interrupções claramente necessárias na vida louca. Era a vida que chutava para que o passo fosse dado adiante, ensinando que seguir em frente significa, muitas vezes, retroagir. Era o anseio de mudar, de querer o novo, e um novo mais pleno de paz, de espaços para si. E era a paz. Era paz, como nunca antes havia sentido. Era suspirar fundo, chorar de felicidade sem qualquer emoção - simplesmente quando os olhos fecham e a lágrima cai, molhando um curto sorriso contido, silente.

Era paz, um sentimento tão novo, tão profundo.

A metamorfose, essa coisa tão lenta, de tantos meses, tantos dias que voam sem se ver; tantas intervenções, tantas conclusões, diagnósticos dolorosos e permanentes que sempre trazem, primeiro, a terrível negação. E, de repente, um ano depois, quando se vê, vem surgindo uma conclusão lá no fundo, totalmente branca, pura, sem qualquer véu: eu aprendia a amar essa nova versão de mim.

Porque amor requer respeito, aceitação, mas não existe amor sem admiração - e eu admirava aquela nova pessoa, que tomava decisões difíceis, que se despia da armadura de personagem invencível, que voltava no tempo e na memória para gravar uma nova frase: eu sou imperfeita! E era tão bom se permitir a imperfeição. Era tão libertador ser imperfeito, tão imensamente libertador.

De repente éramos eu e o meu reflexo, totalmente novo, como dois seres que se conheceram tão recentemente: um, vivendo na lembrança do antes do fato metamórfico; outro, vivendo no agora, acordando todos os dias para um novo dia, com sangue quente, correndo nas veias. Éramos duas versões de um mesmo ser, totalmente distintas, totalmente avessas, e com um sentimento em comum: nos amávamos. Uma, ciente de que foi responsável por tantas maravilhas ao longo de, talvez, uma metade da minha vida; outra, compreendendo que era preciso aquela pausa, aquela guinada na direção, e uma guinada que vinha, de repente, abrindo novos horizontes muito mais coloridos.

Era um momento de aceitação, de encantamento, de emoção. Éramos nós duas, eu e eu, antes e depois, faces opostas e tão complementares, tão intensas - e tão leves, finalmente se permitindo remover o véu da perfeição.






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