quinta-feira, 28 de setembro de 2006

Casinha de Bonecas

Quer exemplo maior da rapidez da vida
Do que uma casinha de bonecas no quintal?
E o que havia ali?
Ontem, um ontem bem próximo,
Havia ali um ruído quase insuportável
Vozes demasiadamente aceleradas
Vem aqui, sai dali, que linda sua boneca!
Quadrinhos na parede, bolinhos de areia
Fogãozinho mesinha cadeirinha
Tudo no diminutivo
Este diminutivo mais bonito da vida
Este diminutivo de encher os olhos.
E, de repente, o que resta?
A casinha fica no quintal,
Lembrança querida, um pouco triste.
Toda lembrança tem um quê de tristeza.
Ah, o tempo não pára nunca, não volta
Ficam as casinhas de boneca apodrecendo no tempo
Coisas que as meninas que brincaram nem conseguem lembrar
Lembra quem viu, quem visitou a menina em seu pequeno lar.
O tempo passa feito flecha embebida em licor e dor
E neste carrocel estamos quietos
Um pouco humanos, um pouco tristes,
De repente instantaneamente alegres.
A vida é esta coisa linda e filosófica
Vários mundos num só mundo, que é este, talvez único,
Tão mágico quanto o mundo que existe e que passa
Numa casinha de bonecas.


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Pensamentos de Beira de Estrada

Circundo este universo desgastado
Relembro
Desabo.
Esqueço do que tenho e do que sou
Ando,
Me entendo.
Nada além de mim eu compreendo,
Mas sigo,
Me acabo.
Nasço outra vez e outra vez
Transcendo,
Refaço.
Não há nada mais de sóbrio neste espaço
Nem este abraço
Que relembro novamente e assim de novo
Desabo,
Me acabo.


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segunda-feira, 18 de setembro de 2006

Canção do Amor Calado

O que diria o mundo de um humano calado
ao entardecer, na varanda sentado,
sonhando, antes mesmo de poder dormir?

O que diria o mundo de um humano presente
e embora não conte, o pensamento ausente,
desenhando o barco pra depois fugir?

O que diria o mundo de um humano errante
que tem o coração por máquina pensante
e que somente pensa em nunca esmorecer?


O que diria o mundo de um humano sozinho
mas que vem sempre acompanhado em seu caminho
de uma lembrança impossível de esquecer?

O que diria o mundo de um humano perdido
que nos olhos mostra o coração ferido
implorando a cura para lhe salvar?

Eu diria ao mundo que este humano ama
e que sua alma, dependente, em chama,
voa para onde ele deseja estar.

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sábado, 16 de setembro de 2006

Numerologia

O número era aquele, eu tinha certeza
mas eu devo ter somado alguma coisa errada
devo ter esquecido de contar alguma coisa
um noves fora
uma raiz quadrada
porque era pra ser aquele o número do nosso pacto
era pra ser implacável e para sempre
talvez eu devesse ter contabilizado
o número do teu sapato
quatro mais dois noves fora seis
e isso mudaria completamente o nosso destino
porque eu tinha certeza, eu tinha certeza,
o número estava certo, tinha que ser
de uma vez por todas e nunca mais
e eu li todos os livros pra saber
o teu futuro e a cor da tua camisa
e o dia mais propício pra telefonar
eu fiz tudo certo, tudo direito
eu te amava e o nosso número era exato
era a tua dízima o meu número perfeito
e a linha do teu destino com a minha
dava casamento
mas eu acho que esqueci alguma coisa
e de repente a minha conta deu defeito
e deu ao nosso caso efeito inverso
era pra ter sido uma dízima periódica
que nunca tinha finalização
não era pra ser assim um número complexo
nem divisão por zero que não tinha solução
algo deu errado e eu assumo
é tudo culpa dessa minha distração.


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Amanhã

Um sopro do teu hálito se esvai
e me resta a poeira.
Remonto abstratos de versos
irrito meus olhos na busca
mas me distraio.

O teu nome não sabido me incita frases.
Discorro o dicionário em que ficas
e entitulo um poema.

Amanhã,
tu me dirás teu nome.

quinta-feira, 14 de setembro de 2006

Do Desconcerto do Homem

Máquina do Sono
Desespero
Infalivelmente sensíveis
Inconfundíveis mamíferos
Mortais
Pontualidade enfadonha
Cálculos exatos
Matemática
Homem, um número.
Pensamento
Coração aberto
Peito enternecido
Fatalidade
Desejo,
Homem financeiro
Rarefeito
Animal pensante
Divisão
Cautela
Homem-inflação,
Dízima periódica
Esperança,
Profunda lembrança
Pesadelo
Dor no peito
Ferida na alma
Riso na face
Contraste
Lágrima nos olhos
Ferida na pele
Sonho no silêncio
Homem:
Desconcerto.


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quarta-feira, 13 de setembro de 2006

Mão Única

Andando pela via rápida
da minha memória
Eu tento desviar da triste história
que me corrói
Eu tento desviar a lágrima
a curva, a contramão
eu tento controlar meu coração
Eu tento, em vão.

E o que se há de falar que, enfim,
seja verdadeiro?
O que senão as vítimas fatais
que crescem em altos percentuais?
O que senão as mães desconsoladas
secando o choro em tristes almofadas?
O que senão as drásticas notícias
que mais parecem cenas fictícias?

A liberdade é este bicho esquivo e indomado
querendo dar a alguém a honra de domar.
Ah, esta honra precoce e momentânea
febre subcutânea
de repente um jardim, um anjo alado
de repente não há tempo pra voltar
de repente,
esta palavra imutavelmente instantânea.

A velocidade é sempre tentadora,
todo o perigo é um convite que enlaça.
Há uma adrenalina, um fogo, uma graça
e um inexplicável desejo de arriscar.
A vida, a matéria, a gravidade
todas estas grandezas cheias de legitimidade
tornam-se frágeis e simples de ultrapassar
a uma velocidade fascinante e assustadora.

Lembremos que esta vida é breve e cheia de cuidados
e o tempo, este tempo de pressa e ansiedade
necessita diminuir a velocidade.
Andamos em guerra, estamos armados
disparando no asfalto nossos tiros de morte
nas curvas sem volta, na inconsciência
apostando a vida num jogo de sorte
matando o que nos resta de inocência
nossos poucos anos, nossa pouca experiência
nosso pouco de tudo, nossos sonhos tantos,
que se vão também
para além dos prantos.

Deixemos os anos por conta da natureza,
não abreviemos a dádiva da vida.
A tragédia sempre se disfarça com destreza
é uma linda princesa
esperando alguém que lhe mexa na ferida.
Sejamos cautelosos, sejamos
presentes aos que nos amam.
As ruas todas, os motores, as corridas,
as madrugadas, as disputas, as bebidas,
não podem ser mais fortes nem maiores
que os sonhos que nos chamam.

O prazer de arriscar me parece uma túnica
pronta para ser usada como traje de gala.
Mas a dor da perda, a saudade, a falta que cala
serão para sempre uma estrada de mão única.

Epigrama fiel da Morte

A morte me atirou contra a parede e me fez sentir medo de dormir sozinha. A morte tem ar de desgraça e olha de cima para seus súditos. A morte traz na mão flores brancas e tem cheiro de incenso. A morte tem salas de espera nos hospitais e bips incansáveis nas UTIs. A morte acende velas nas tardes dos cemitérios enormes. A morte tem um minuto de silêncio antes dos jogos de futebol. A morte tem crianças assustadas vendo fantasmas pendurados na parede do quarto. A morte tem casas cheias e pede uma última bênção. A morte pode chegar irônica ou cheia de hipocrisia. A morte prega adesivos cadavéricos no pára-brisa dos carros. A morte vende álcool engarrafado com rótulos modernos e propagandas sedutoras. A morte tem lágrimas salgadas inevitáveis e duradouras. A morte tem procissões com cânticos ecumênicos que seguem os funerais pelas ruas da cidade. A morte inscreve belos epitáfios nas lápides e ensina que as pessoas estão in memorian. A morte promete anjos alados e escadas com luzes que não se apagam nunca. A morte faz alguém chamar você de derrotado num final de campeonato. A morte diz que é pouco o que você tem e lhe faz sentir inveja do seu melhor amigo. A morte põe comerciais de cigarro na TV e implora que você experimente. A morte veste as pessoas de preto. A morte finca um prego na sua mão. A morte sangra e grita na noite ou afoga o escolhido sem permitir palavra. A morte faz as pessoas se perdoarem. A morte põe uma 765 dentro do seu carro e quer lhe mostrar como funciona. A morte quer você nunca aceite um não como resposta. A morte deixa lembranças e fotos amareladas nos álbuns envelhecidos. A morte faz feriados nacionais e proclama heróis nos livros de história e dias santificados. A morte atirou um cantor de um avião e o mundo inteiro chorou. A morte esmagou meu cachorro e ninguém além de mim lembrou disso. A morte faz você pisar fundo no acelerador e ultrapassar a velocidade limitada. A morte diz que andar armado é necessário e politicamente correto. A morte ouve rock black no volume máximo no último andar depois da meia noite. A morta joga palitos acesos no carpete do seu apartamento. A morte distribui lindas bonecas aidéticas maquiadas com destreza e perfeição. A morte desmanchou o mendigo que morreu de fome no fim do subúrbio. A morte reinou na caatinga e depois viajou deixando apenas a poeira. A morte trafica cocaína e enriquece num piscar de olhos. A morte vende ecstasy e se diverte com a frenesi nas danceterias. A morte distribui sexo nos finais de festa e se encanta com a pulsação de cada minuto. A morte faz você pedir outra dose no balcão do bar e arranjar briga com um desconhecido. A morte abre cassinos com fachadas luminosas e joga pocker em apostas milionárias. A morte embaça a lente do seu óculos num dia de chuva. A morte mergulha além da área permitida para banho. A morte não ouve conselhos. A morte tira o parafuso da roda-gigante e tem ruas de mão única sem placas de sinalização. A morte danifica o freio do seu carro e faz você adormecer no volante. A morte vende pílulas que dão coragem e derretem artérias. A morte sempre aponta indícios de ausência da felicidade. A morte chega sem aviso e tem uma hora imprópria de chegar. A morte não falha nunca. A morte é implacável. A morte é Imortal.

terça-feira, 12 de setembro de 2006

Poema por um tempo que não deixa o poema nascer

Há muitos anos trago um Poema dentro de mim.
Algumas rugas começam a nascer no meu rosto
e o colapso da vida me aparece nos olhos.
O poema não nasce.
Talvez, se a turbulência cessasse
se as borboletas voassem com maior brandura;
Talvez, se os motores todos se consumissem
e todas as vozes se calassem
nasceria então, talvez, o meu Poema.
Mas não há tempo para ele.
Ele sente o medo do século tenebroso,
das páginas amarelas que ninguém leu.
Eu penso
"Venha, meu querido Poema,
que talvez amanhã se esvaia meu último sopro de vida
e então, quem saberá que te gerei?"
Mas a minha própria presença ele teme.
Eu, que não sinto o ar puro em meus pulmões,
que me entreguei, devassa,
ao desarrumado cotidiano da modernidade.
Eu que não observo a forma das flores
que esqueço de olhar nos olhos
que passo pelos dias sem cantarolar uma cantiga
Eu que permeio de lamentos as palavras que eram livres
que esqueço o valor de um abraço,
sou eu quem o assombra, com tanta insensibilidade.
Agora percebo que preciso respirar de novo
e me descuido das nuvens negras, esqueço a noite
e desapercebo da tempestade desta grande evolução.
Agora eu penso que é preciso observar a forma das flores.
Agora eu tiro de mim um instante de silêncio
para que este Poema se liberte
e nasça, e viva fora de mim.

De Volta ao Reino

De repente a voz que faz tocar os sinos.
Na minha mão está o toque oculto que me chama a escrever
mas o toque não existe
e eu não insisto.
Para onde foram as minhas rimas, meu Senhor?
Sinto que estão voltando, preciso alimentá-las.

Acho que a fada que me dignifica
está do lado de fora da minha porta.
Me trás lírios, livros e dicionários,
e grita pelo meu nome.

Eu continuo neste quarto com as minhas quinquilharias
algumas palavras agora vão chegando,
um dia nascendo dentro de outro dia chuvoso.

Minha alma amanhece novamente.
Agora, sinto que estou mais forte
e já posso enfrentar as dores e torná-las poemas.
Me deixo transcender.

Poesia e Alguns Medos

Anoitece e cai o frio sobre os meus cílios
Implacável fortaleza que me abate.
A minha mente não tem armas pro combate,
Nascem os medos, invisíveis filhos.

Falta um minuto em meu relógio pra Poesia.
Falta a quietude, alimento nato.
Frente ao espelho é tão vazio o meu retrato;
E pr'os meu cantos, a noite mata o dia.

Minha lembrança é o motivo do meu pranto.
Tenho desejos de exaurir-me de repente
De transcender, como num breve encanto.

Mas a raiz se perpetua em minha mente.
Minha coragem se resume em canto
Uma envolvente, gélida serpente.

Vinte e Três

Vida viva
viva
mais um ano de vida
lívida

A moça entra na dança
A moça dança?
Roda rosa viva
mais um ano de vida

A moça não dança.

Olha, olha a roda
de dança, moça
vem pra roda
que a vida passa
a vida, mesmo lívida,
passa
então viva
mais um ano de vida
e vem pra roda
dança

A chuva cai na dança
e a moça não dança
a moça só olha a vida
que passa
pela janela
triste esfera
e procura a graça
da dança da vida
a roda de dança roda
e a vida da moça passa
e ela não diz viva a vida
ela não vê a vida viva
e a vida dança

Acende a vela do bolo!
Cadê o bolo da moça?
Acende a luz pra moça
encontrar o bolo
pra dizer viva viva
viva a vida

Canta, moça! Viva!
Encontra a tramela da vida!
Mas a vida não era dança?
Então agora é janela?
A vida é roda de dança
vista de uma janela
pra quem não entra na roda
e se a janela se fecha
vai a vida e nunca volta

Viva viva
mais um ano de vida

Alguém pra comer o bolo?
Cadê o bolo da moça?
A moça nem é mais moça
é vida não viva
vida de roda sem dança

Vida não viva
O que mais há na vida?
A moça, sendo tão moça,
não poderia ter a vida
mais vivida?

Viva a vida
Roda, rosa viva
a moça é mais viva
do que a rosa lívida
A moça entra na dança,
e a moça dança.

Dentro do olhos uma lança
mais viva
Dança moça, dança,
no teu pensamento.
Que a vida é mais dança,
e você,
rosa mais viva.

Vida vida, rosa lívida
Viva
mais um ano de vida.

Mãe na Varanda





Foi este vento que me fez te olhar assim.
Este vento soprando em teus cabelos poucos,
enxugando o suor do teu rosto.
Eu aqui, inerte,
te olho como quem visse um anjo:
contemplação.
Tu, no teu silêncio,
nem sequer imaginas que eu
(poeta com olhos da cor dos teus),
te elevo ao altar das divindades,
montado só pra ti no templo da memória.

Foi este vento que me fez te olhar assim.
Este vento livre como a tua bondade,
forte como a chama que alimentas.
Eu aqui, calada,
te digo muito mais que pronuncio:
Desolação.
Tu, na tua rotina,
vives tudo para dar a vida,
e a tua prece implora a nossa bênção.

Foi este vento que me fez te olhar assim.
Tu, forte como o tronco elevado;
Tu, grande como a Vida;
Tu, mãe que batalha na varanda.

O Poeta sem Poesia


O poeta fez um verso sem poesia.
Tudo o que tinha aquele verso eram palavras
que o poeta escreveu para se distrair.
Não tinha rimas
nem sonhos
apenas perdidos períodos gramaticais.

Mas, de repente,
o verso sem poesia que o poeta fez
virou poema.