segunda-feira, 31 de março de 2008

Primeira Incrível Aula de Atendimento ao Público

Antes de iniciarmos, é preciso alertar que essa não será uma tarefa fácil. A arte do Atendimento ao Público é para poucos, e é melhor perguntar a si mesmo se realmente deseja conhecê-la. Muitos não resistem. Faça um minuto de silêncio, e decida.
Se você optou por continuar, vamos começar. Serão três lições do nível básico, que devem ser praticadas religiosamente. Respire fundo, e vamos lá.

Caso 1: O telefone toca, você atende, dizendo de onde fala e se identificando. Em seguida, vêm as perguntas:
- É da onde?
Você repete a resposta.
- É quem?
Você repete o seu nome.
Lição do Caso 1: Contenha-se. O nome que você deve fornecer é sempre o seu nome verdadeiro. Você pode até pensar em outro nome, mas nunca diga o nome que pensou.

Caso 2: O telefone toca, você atende, e a pessoa do outro lado pergunta, equivocada:
- Olá! Você poderia me fornecer o telefone do advogado, o Jânio Quadros?
Você pode até pensar em pedir a ela que telefone para São Pedro, mas não é o correto. Informe apenas que o sobrenome mencionado está incorreto e forneça, então, o telefone.
Lição do Caso 2: Contenha-se. A resposta que você deve fornecer é sempre a resposta verdadeira. Você pode até pensar em outra resposta, mas nunca diga a resposta que pensou.

Caso 3: Você atende a um cliente que veio pessoalmente, cheio de papéis de uma empresa. Você pergunta, no meio da conversa que envolve nomes dos sócios da empresa:
- E o senhor, o que é?
- Eu sou o marido da minha esposa.
Bem, este é um caso um pouco mais complexo. É preciso raciocinar para compreender o que acontece no universo ao seu redor, e fazê-lo com extrema rapidez. Você então associa a pessoa que está à sua frente com os documentos que ela porta, e deduz que quis dizer que a proprietária da empresa é sua esposa.
Esta tarefa, lida assim, em poucas palavras, também me parece um tanto impossível. Mas acredite, você ainda aprenderá lições bem mais difíceis do que esta.
Lição do Caso 3: Contenha-se. Os dentes de um atendente devem ser, preferencialmente, reservados para a tarefa de mastigação, e só devem ser mostrados em risos fora dos atendimentos. Você pode até sentir que o riso nasce nos músculos faciais, mas o exercício do autocontrole é imprescindível nestes momentos.

Atender bem ao público é uma arte! É preciso treinar a respiração vagarosamente, fortalecendo o músculo do abdômen, sentindo lentamente os pulmões. Repita a série de memorização das três primeiras lições, e estará apto a enfrentar a próxima aula. Até lá!

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sábado, 29 de março de 2008

Vulcânica

amor,
eu me acho de novo naquela fase
fértil, louca, criativa
de querer pintar as nuvens de lilás
e descolorir todas as flores do jardim
de andar descalço, de te ferir
de marcar em ti meu nome com navalha
só pelo prazer da tua ira

ai, bem que tu podias
pensar alguma coisa nessa linha
umas flores negras, verdes ou azuis
colhidas numa terra inabitada
com um bilhete junto
“amor, corri tamanho risco
perdi cabelos, unhas, passei fome
só por essa flor que ora te entrego”

amor,
eu ando outra vez com aquelas vontades
de impossível
bem que tu podias, bem que podias

não olha assim, que eu não sou perigosa
o espinho da minha rosa
se derrete quando tocas.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Progressão

Eu era metade.
Depois vieste tu, e a tua malícia que não transparecia,
e teus tênis cor de cinza
e uma vontade de vida que te corria na veia.

Então, fiquei uma.
Mulher inteira que estremecia
no teu olhar.

Depois, bem pouco tempo,
veio a tua roupa para o meu armário.
Veio o teu corpo para a minha cama
o teu sonho para dentro do meu sonho
e as tuas fraquezas me transpareceram.

Veio a tua vitória, transbordante,
para a minha taça de vinho.
E o teu talher para a minha boca.

Vieste tu, depois,
a contar mais um para o meu ímpar numeral.
E ficamos dois.

E a nossa conta se programa e cresce.
É lenta a nossa progressão,
mas acontece.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Uns Olhos

Hoje eu vi uns olhos
que eram teus.
Olhos de lembrança.

Eram de menina,
olhos emaranhados de fios de esperança
aconchegados, no meio da face calma.

Tinha o mesmo brilho nos olhos que eu vi.
E cada um trazia, na dobra do canto externo,
a mesma ruga pequena, de jovem que eras,
causada pelo mesmo sorriso ameno.

Olhos de quem ama.
Eram olhos de quem sente a vida
e que a vida era, por mais que sofrida,
aquela coisa boa de se sentir.

Hoje eu vi uns olhos,
que eram teus.
Eram assim como eu guardo na memória:
doces olhos de menina grande,
pura fonte de uma luz que nunca cessa.

sábado, 8 de março de 2008

A Maravilhosa Tecla SLEEP

Na noite do meu aniversário, envolta em tamanha e solitária emoção de pensar em nos anos idos, apanho, da cabeceira da cama, o controle remoto da televisão. Ligo e procuro por alguma coisa que esteja no ritmo dos meus pensamentos: velozes, mas silenciosos; e encontro. Ali, do ninho que me acolhe em todos os finais de dia, divago de um sentimento que, como em todos os aniversários, faz em mim uma louca vontade de rir e de chorar, de fugir e de ficar, de prometer sem mesmo saber se poderei cumprir.

A idéia do passar do tempo é sempre assustadora. É quando o espelho não responde da mesma forma pela mesma pergunta, nem mostra a mesma imagem para a mesma figura. É quando nos tornamos também espelhos, e não refletimos também da mesma forma a mesma figura; tudo se torna um grande paradoxo. O passar do tempo é sempre uma negação de nós mesmos. Com o passar do tempo, alguns conseguem transformar a passageira beleza exterior em grandeza interior, aquela que não se perde; outros, nem isso. Alguns escrevem livros, outros gravam discos.

Os aniversários são datas conflitantes. Conheço uma mulher que não guarda nenhuma fotografia, pela simples idéia de que, não tendo a lembrança de como era, minimizará a dor dos anos que passam. Há quem consiga dizer com sinceridade que comemora cada aniversário; há os que, como eu, não conseguem passar um só aniversário sem questionar a razão da existência da humanidade, da pólvora e do colesterol ruim.

Mas as fotografias são coisas que muito me aprazem. No álbum amarelo de minha mãe, está uma foto em que ela, linda, recebia uma faixa e uma coroa de Miss. Bendita foto! Se não fosse a foto, seria difícil de imaginar! Através das fotos, a cada ano que passa, consigo contar, além das velas no bolo, uma linha de expressão a mais no canto externo dos meus olhos. E o que isso muda em minha vida, além da aparência e dos potes de creme no banheiro?

Eu sempre me convenço de que o passar do tempo deve nos fazer melhores. Além de tudo o que quisera mudar em mim, há a esperança de que possa mudar também no mundo, na minha cidade, na minha casa. Sempre começando pelas pequenas coisas. Adquirir conhecimentos novos me dá uma boa esperança de alcançar este objetivo, porque sempre me abrem caminhos novos e novas oportunidades de usar a varinha mágica em alguma situação. E é difícil mudar o mundo... a justiça é uma palavra que parece pesada até para pronunciar. JUS-TI-ÇA! Dá um nó nas cordas vocais! Vez ou outra a gente comemora, no aniversário, o encontro de alguma pessoa que consegue pronunciar essa palavra sem engasgar, em voz alta e forte.

Ai, que pensar é uma coisa que, além de fazer o tempo passar mais depressa do que já passa, pode tirar o sono. Nem sei porque a televisão está ligada, se não há espaço para mais nada no ambiente além das bolhas de pensamento que liberto! Mas a ausência da televisão faz um silêncio tão angustiante!

Nessa altura da madrugada, quando já é o dia seguinte ao meu aniversário; quando, cansada de pensar, decido dormir, me vem uma lembrança maravilhosa: em algum lugar, em algum momento, num tempo passado, alguém criou a maravilhosa tecla Sleep. Está lá, sempre em algum cantinho de fácil acesso no controle remoto. Beleza de criação! Deve ter sido alguém que, como eu, tinha medo do silêncio angustiante que se faz imediatamente antes de dormirmos.

Só um toque e, agora sim! Dou-me um prazo de quarenta e cinco minutos para dormir. Enquanto isso, o pensamento relaxa acompanhado, no mesmo ritmo, das vozes que escolhi para me fazerem dormir.
E boa noite!