segunda-feira, 25 de setembro de 2017

O mágico mundo de Corridolândia

Pisei timidamente a primeira vez as terras de Corridolândia, bastante assustada até, e estava certa quando pensei que seria rapidamente expulsa de lá. Minha permanência não durou mais que alguns segundos, e saí rapidamente, com certo medo de voltar. Não havia placas ou quaisquer palavras, mas era como se eu ouvisse uma voz gritando, muito alta e agressiva, que aquele lugar não era para mim, que eu não era capaz, que era muita pretensão querer chegar, assim, já com intenção de ficar algum tempo. Ouvi, humildemente, e fui embora.

Mas não foi assim que me ensinaram a lidar com as coisas que me assustam. Não me parecia certo que tantas outras pessoas chegassem ali com aparente tranquilidade, que fossem assim livres para ir e vir pelos portais de Corridolândia e que eu, sem entender o motivo, tivesse meu acesso recusado assim, sem porquê. O que haveria ali de tão misterioso que eu não pudesse conhecer?

Obstinada que sou, voltei a tentar acessar os portais, e pisei aquele território mais uma vez, firme, convicta de que eu haveria de desvendar o mistério. A cada vez que eu tentava, e era expulsa de novo, e tentava outra vez, e era expulsa outra vez, se fortalecia um laço que nasceu discreto, quando tentei retornar, logo no começo, àquele território inóspito. Então, quando nos compreendemos mutuamente, fiz ali meu refúgio.

É fantástico observar o que acontece pelas ruas e trilhas de Corridolândia. As pessoas que passam pelos portais estão todas juntas, muito próximas, mesmo que às vezes aparentem estar tão distantes. Todas têm a mesma direção. Todas estão absolutamente imersas, ensimesmadas, assistindo a lembranças e pensamentos que nem lembravam que tinham, traçando guerras particulares, tecendo monólogos silenciosos; ao mesmo tempo, estão todas atentas ao que lhes acontece ao redor e, ao menor sinal de problema, estarão a postos para ajudar. Emitem também palavras de apoio. É assim que a vida corre por lá. E corre mesmo, em diversos ritmos, mas sempre no limite: independente da velocidade, da experiência ou da aparência, todos estão absolutamente aplicados ao seu melhor, que hoje deve ser melhor do que foi ontem, e amanhã deve ser melhor do que foi hoje - é o que esperam, ao menos.

Ao deixar os portais de Corridolândia, todos levam um troféu. Alguns deles têm peso, cor e forma, carregam números e letras gravados; outros são abstratos - e esses, em geral, são os mais valiosos. Cada um sabe bem o troféu que carrega e, todas as vezes, esses troféus são absolutamente particulares, e muitas vezes não podem ser vistos por outros - são transparentes. Não há peso ou forma física nos troféus dessa natureza, pelo contrário - são esses troféus que tornam o dia mais leve, a vida mais leve, a lágrima mais leve, o sorriso mais leve, o passo mais leve para pisar melhor ali da próxima vez.

A mágica da Corridolândia é difícil de explicar para quem nunca esteve lá ou para quem pisa uma vez, é expulso - como fui - e não se atreve a voltar. E pior ainda para aqueles que tentam voltar mas desistem na segunda ou terceira tentativa, ou ainda, para aqueles que esperam permanecer ali muito tempo, mesmo sem terem conquistado adequada intimidade. A permanência ali é para os curiosos, para os fortes e os perseverantes - e para os loucos, também. Há os que adotam métodos estratégicos calculados para ir e voltar, até conseguirem ficar; há os que simplesmente vão, confiantes de si, certos de que suportarão. Há os que se machucam também - nem tudo são flores naquela terra. Assim como em qualquer mundo, há muitos riscos e, por maior que seja o cuidado e a beleza, o doloroso pode acontecer. Nesse caso, há que se resgatar a obstinação e retornar ao início, agora com mais cautela, mas também com mais experiência - uma combinação que em geral resulta em sucesso.

O mágico mundo itinerante de Corridolândia se constrói e se instala sobre a terra ou sobre o asfalto, nas ruas ou em trilhas, na cidade ou na mata, nas montanhas, nos lagos; assim também, se estende sob o sol ou sob a lua, com céu azul ou cheio de estrelas. Pode existir ou coexistir, em um ou vários lugares ao mesmo tempo, exclusivamente para uma pessoa ou para milhares delas. Mas é certo que, onde houver uma pessoa acessando os portais de Corridolândia, mesmo que sozinha e mesmo que tão timidamente quanto eu, esse mundo mágico se formará imediatamente ali, completo, carregado de frases e de sons, de pensamentos, com suas cachoeiras de endorfina, preparando rapidamente o troféu particular que ela levará consigo, para sempre, a cada vez que deixar suas terras misteriosas.


Patrícia Moresco
(Escrito mentalmente em 24 de setembro de 2017, durante uma permanência de 90 minutos no mundo mágico de Corridolândia)




sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Cantiga para não secar na primavera

Deves preocupar-te não com o que digo,
mas com meu silêncio.
Nele reside o risco.
Porque quando sentir as palavras desperdiçadas,
- e sabendo-as preciosas como são -
será certo que as pouparei.
E por poupá-las, elas que me dão vida,
que me mantém a chama esperançosa,
feixe de luz,
escurecerei.
E ali, nessa forjada noite silenciosa,
secarei, rápida, inevitável, irrecuperável,
como fazem as flores, quando colhidas,
quando privadas da luz que lhes abre os botões.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Amor sem porquê

Eu te amo, não preciso de porquê.
Te amo porque te amo, e não se explica
essa coisa de amar.

Não tem porquê para olhos que acendem
quando vem a lembrança no vento
e põe sorriso no rosto
ameniza o dia penoso
Assim também, não se explica saudade
por tão curta ausência
Despedida adiada, só por vontade
de fitar por mais um minuto

Eu te amo, nem por consciente escolha
nem por atributos que tenha
nem pelo desenho perfeito dos teus lábios.
Te amo porque te amo,
desde que vi, desde sempre
desde algum momento em que nem sabia
que existia amor.

Sinto-me feliz assim,
livre de motivos.
Porque não os preciso;
porque é suficiente saber amar-te;
e porque te amo em perfeita completude
só porque te amo,
sem mais porquês.