Então, a gente para por um momento, e faz o que é preciso: liberta, mesmo que para isso seja preciso criar um personagem, alterar o sujeito e mudar o tempo verbal - tudo para doer menos. Uma história que foi contada sempre de forma amena, para não doer em quem se ama; uma história que parece tão simples que não deixa entender o porquê de um certo drama; uma história que só duas pessoas viveram, as outras não. Essa história tem o seu lado real, um pouco mais duro, um pouco mais intenso, um pouco mais carregado de sentimentos e reflexões.
O fato é que havia uma menina interiorana, muito pequena, nascida na cidade, criada no sítio, na barra da calça do pai. Com o pai, tirou pedra da roça, cuidou dos porcos, buscou as vacas que não vinham para dar o leite, por diversas manhãs e manhãs de geada e noites e noites de chuva. Tirou leite das vacas, arrancou matos, arrancou feijão, pegou na enxada, até o dia de deixar tudo e ir para a faculdade, momento em que os calos começaram a sumir das mãos. Desde criança foi artista ou quis ser, cantou, escreveu, pintou, coloriu a vida que tinha lá no sítio, distante de outras movimentações comuns às meninas da sua idade.
Essa menina, que era pequena por fora e sempre grande por dentro, cresceu. Estudou, arranjou emprego, galgou aos poucos pequenas melhorias que permitissem contar menos o dinheiro no fim do mês. Já mulher, e tendo ao seu lado um homem com quem sempre tinha sonhado, mudou-se para a capital, e pode, enfim, realizar um sonho: conhecer o Nordeste.
Para muitos, seria uma viagem normal, comum, mais uma. Para ela, seria a segunda vez em que viajaria de avião, aquela sensação de menina do interior que se via, de repente, no meio do incrível mundo dos Ursinhos Carinhosos - coisa da criança que trazia sempre dentro de si. E seria a realização de um sonho de menina do interior.
Foi ela quem escolheu o destino: João Pessoa. Como? Não se sabe. Ela não sabe explicar. O marido hesitou, porque não tinha muitas referências turísticas daquele lugar, mas foi ao fim convencido através das fotos que ela mostrava, ansiosa, encontradas na Internet. Passagens compradas, hotel escolhido, dez dias de viagem para o lugar que ela julgava ser o paraíso: menina pulando de felicidade por dentro - e por fora também, pode acreditar. Menina saltitante.
A viagem não poderia ser mais maravilhosa. Era o lugar onde o sol nascia primeiro, disseram os guias turísticos. O dia clareava cedo, a vida começava cedo, o mar dizia cedo o seu "bom dia, estou aqui, sou calmo e quente, pode vir!" A vida ao redor era uma imensa piscina verde-azulada, quentinha, com poucas ondas e calmas; o sol era sempre intenso e feliz, quase como aqueles sóis desenhados com um sorriso na cara. As ruas eram tranquilas, as calçadas eram repletas de ciclistas, poucos turistas, por causa da época do ano, menos movimentada. As comidas tinham amor e sabor. Tudo ao redor tinha cores intensas, vivas; as barracas tinham cores, as artes tinham cores, as roupas tinham cores. A vida tinha cor, de uma intensidade que nunca a menina tinha visto. E a menina, desde criança, tinha aquela paixão inexplicável pelas cores, paixão daquelas que fazem uma mulher adulta comprar no supermercado uma caixa de lápis de cor, só pelo amor pelas cores, não para usá-las.
Mas o melhor de tudo eram as pessoas. Eram as pessoas mais sinceras do mundo, a menina sentia. As pessoas eram bem diferentes daquilo que ela conhecia como pessoas. As pessoas eram felizes, não importavam as condições difíceis que são impostas pela natureza a quem vive, de fato, naquele lugar, e não apenas passa alguns dias de férias e sol. As pessoas sorriam. Os contatos tinham olhos felizes, receptivos, tinham gentileza.
Como as noites chegavam cedo, o descanso dos dias intensos vinha cedo, também. E, à hora do descanso, vinha sempre aquela conclusão que, há tempos, a cotidiano agitado da menina e seu amado não permitiam sentir: havia paz! Havia paz. Era um pensamento branco, preocupado apenas com o vermelhão na pele, que ficou por causa do protetor solar fator 30 - precisava ser, no mínimo, 50! Era a paz, a paz branca, a paz contrastando com as cores daquele lugar. Era a paz que permitia caminhar de mãos dadas no fim da tarde, na calçada, à beira da praia, respirando fundo, inspirando mais paz, tomando decisões difíceis como qual seria o sabor exótico de sorvete escolhido para aquele dia. Eram passeios a lugares que causavam tanta emoção à menina, que ela chorava. Chorou, chorou várias vezes de felicidade, na emoção de ver tanta beleza, que nem sonhava que existia. Era a menina pequena, que vivia dentro dela, que chorava.
Para quem conta a história, é importante mencionar um fato sério: foi a primeira vez na vida em que a menina amou o crepúsculo. O sol, que era tão grande, se punha rápido e não causava aquela ansiedade que se cria entre o dia e a noite. E era lindo aquele sol gigante se pondo detrás do mar.
Na manhã do sétimo dia, o dia do descanso da criação do mundo, estava programado um passeio para o Rio Grande do Norte, com uma empresa de turismo cujos funcionários, responsáveis pelo traslado desde a chegada, foram tão amáveis, que conquistaram a menina e seu amado. Tinha segurança com eles, alegria e conhecimento, informações históricas e valiosas, contadas como contadores de histórias, prendendo a atenção. Assim, a menina e seu amado resolveram devolver o carro que tinham locado para fazer aquele passeio, porque alguns barulhos no carro os haviam deixado apreensivos. No fim da tarde, veio a decisão de devolver o carro e contratar o passeio com aquela empresa.
Era sexta-feira, dia do passeio, dia de acordar cedo para que às 6h30 da manhã estivessem esperando o ônibus, na frente do hotel. E a menina, naquela manhã, acordou e esqueceu a paz dentro de um sonho, talvez. Perdeu a paz em algum lugar. Acordou inquieta, ansiosa, incomodada. Trocou a roupa tantas vezes, porque nada lhe parecia bem; trocou o chapéu, os chinelos, e aliás usou pela primeira vez um par de sandálias novas que tinha comprado para a viagem. Até os brincos e os óculos de sol a menina trocou. Trocou tudo mil vezes, e desceu para o café, já atrasada. Nem o café, nem o bolo de milho, nada descia da forma habitual dos outros seis dias. Não tinha, naquela manhã, o bolo de tapioca pelo qual a menina esperava todas as manhãs. Tudo estava torto. Depois do café, ela quis pela última vez trocar a roupa, e acabou escolhendo uma roupa sem cores para aquele dia: bermuda branca, blusa listrada de preto e branco, nada de cores, porque aquela manhã parecia não querer que as cores vestissem a menina. Escolheu, no fim, um brinco dourado, e como não considerava adequado ter dourado nas orelhas e prateado no pescoço, retirou do pescoço, pela primeira vez, o escapulário que usava desde o primeiro dia, para protegê-la.
Feito assim, e depois de repreensões do seu amado para que se aquietasse, desceram para esperar o ônibus, muito atrasados, ela sempre preocupadíssima com as horas e com o fato de ter alguém esperando por ela - como o coelho de Alice no País das Maravilhas, dizia o amado. Mas o ônibus ainda nem estava lá! Então foi a vez de se incomodar, não pelo fato de que supostamente teria alguém esperando por ela, mas pelo contrário: por não aceitar que também alguém a fizesse esperar. O foco da paz foi desviado naquele dia, a menina estava, definitivamente, torta.
Enfim, o ônibus chegou, parou em uma das duas pistas em frente ao hotel, na pista do lado do mar, local de embarque de passageiros. Havia outra pista entre o ônibus e o hotel. O motorista pediu para ver o documento, item obrigatório para a viagem interestadual. E, menina, cadê teu documento?
- Ah, menina. Quantas vezes na vida terão de te dizer que é sempre preciso carregar um documento? Como te lembras apenas de algum dinheiro e do cartão de débito, e te esqueces da possibilidade de ter de provar ao mundo quem és? Então corra, menina. Corra pegar teu documento, que tu já estás atrasada, e o ônibus ainda mais, e todos os demais turistas estão ali, te esperando. Corra, blasfemando em silêncio, para dentro, porque és falha a ponto de cometer um ato desses - mas corra.
Essas últimas eram palavras da voz interior. Ela não sabe se correu ou não, se olhou ou não para atravessar a rua. Nada ela sabe, porque isso é tudo do que ela se lembra.
De repente, acordou, vendo as coisas turvas e desfocadas, com uma aura negra ao redor, ouvindo vozes distantes. "Que sonho estranho", pensou. Mas as coisas foram tomando forma e ganhando a terrível conotação de realidade. No meio do pouco que podia ver, viu diversos rostos que nunca tinha visto, ouviu vozes que nunca tinha ouvido, e tomou consciência: estava deitada no meio da rua, com alguém mexendo nas suas pernas e perguntando: está me ouvindo?
Sim, ela estava ouvindo. E o choque de realidade veio quando ouviu a voz do seu amado, quase gritando em desespero para que o socorro chegasse logo: olha aqui, está saindo sangue pelo ouvido! Naquele momento, o sonho acabou. Era realidade.
Dizem que ela estava com os olhos abertos e falando, já havia algum tempo; o amado contou depois que ela já havia respondido muitas perguntas de uma enfermeira que passava pelo local e correu para ajudar. Mas, para ela, a consciência veio somente naquele momento, e para ela a primeira pessoa com quem falou foi um senhor, magro, de cabelos quase raspados e grisalhos (é como ela lembra), e vestido com roupas colantes. Um médico ciclista que passava pelo local, soube depois. Ele se pôs em frente aos seus olhos:
- Está me ouvindo?
- Sim.
- Você lembra o seu nome?
- Patrícia.
- Sabe onde você mora?
- Curitiba.
- Sabe onde está?
Ela tentou lembrar.
- Não.
- Sabe o que estava fazendo aqui?
- Não.
Ele a ajudou a lembrar:
- Você está em João Pessoa, está em férias.
Ela não entendia o que estava acontecendo.
- Você foi atropelada, mas está tudo bem. O socorro já está chegando.
Como já contei, dizem que, antes dessa conversa com o médico, ela havia respondido à enfermeira algumas perguntas, como o nome do pai e da mãe. E que, quando perguntaram se ela conhecia uma certa pessoa, ela não teve dúvidas e respondeu, sorrindo:
- É o meu amor!
Mas ela não se lembra de nada, e fica feliz por ter certeza sobre quem é o seu amor, mesmo inconsciente.
Com a conversa com o médico, as coisas foram vindo aos poucos. Ela viu o ônibus, lembrou que ia viajar, embora não lembrasse para onde, nem de mais nada do que veio antes. Tanto tempo já havia se passado desde o momento do fato que, àquela altura, seu amado já estava de posse de todos os documentos, inclusive da carteirinha do plano de saúde, porque o ouvia passando os dados para alguém. Soube que havia muito sangue da sua cabeça e do ouvido. Não sentia dor, não sentia nada de ruim. Quando melhorou a consciência, falou ao médico:
- Está tudo bem, não foi nada!
O médico imediatamente segurou suas pernas e a impediu de se mexer.
- Não, você não pode se mexer! Fique calma, já vão levar você para o hospital.
Soube então que podia ser grave.
Antes de qualquer outro pensamento, pensou que estava estava acabando com as férias do seu amor, pensou na angústia que ele devia estar sentindo, queria se levantar dali e dizer a ele que estava tudo bem, abraçá-lo, dizer: vamos, que o ônibus está esperando e já atrasamos todo mundo! Um sentimento de culpa, foi o primeiro sentimento que ela teve. Depois pensou no pai e na mãe, que estavam tão longe. Acho que ela queria a mãe para fazer-lhe um chá. Pensou que "puxa, estava tudo tão bom, e acabou". Mas pensou assim, com tanta calma, sem qualquer desespero. Pensou muitas coisas, e todas com o mesmo sentimento resignado, aceitação. Com alguns minutos começou a sentir alguma dor na cabeça e na coluna.
Quando o socorro chegou, não viu nenhum rosto, só ouviu as vozes falando "estamos colocando o imobilizador cervical, tudo bem?", "agora vamos colocar você na maca, será rapidinho". Eram as pessoas de João Pessoa. Eram aquelas pessoas gentis que ela tanto havia admirado. Eram elas ali falando como quem fala com uma criança. Era ela ali, criança, totalmente à mercê de pessoas nunca antes vistas, com destino a um lugar nunca antes frequentado durante o passeio: o hospital.
Ouvia a sirene da ambulância, sentia que estava andando rápido porque fazia curvas fortes, embora estivesse ali amarrada à maca. Ouviu o enfermeiro dizer que seria só uma picadinha, e se viu recebendo soro ainda a caminho do hospital. Agora já sentia muitas dores, e via seu amado ali do lado, segurando a sua mão e dizendo repetidamente, com os olhos cheios d'água:
- Ai, linda! Minha linda!
Acho que ela sorria, ou pelo menos era o que tinha a intenção de fazer.
Eu não sei em que momento isso aconteceu, mas acho que foi a ele que ela perguntou o que tinha de fato acontecido, quando soube que um carro a havia atropelado quando atravessava a rua para buscar o documento que tinha esquecido.
Mas ela tinha uma certeza, que especialmente não deve ser lida: eram seus últimos momentos. Pelo que ouviu, pelo que estava sentindo, pela consciência que ia e voltava, pelos lapsos que pareciam um sono repentino, ela tinha certeza de que ia morrer. E, acredite: era uma certeza feliz. Enquanto ouvia a sirene da ambulância, pensou que era estranho morrer no lugar que ela sonhava conhecer. Pensou que não poderia ver seus pais antes de partir, tentou se lembrar do rosto deles. Pensou que foi feliz, porque ali do seu lado estava a pessoa que nunca imaginaria encontrar, tamanhos eram seu amor e admiração. Pensou que era uma pena ter de deixá-los daquela forma, pediu que Deus os confortasse. Orou sem qualquer forma das orações padronizadas, simplesmente se sentiu grata - tudo era aceitação, não havia para ela qualquer luta quanto às decisões do destino.
No hospital, as horas na maca da emergência passaram entre os lapsos de consciência - dizem que foram quatro horas até a primeira sutura. Até finalizarem os exames, foi proibida de se mexer, e a dor agora já era intensa o suficiente para fazê-la chorar. Acordava durante o deslocamento da maca entre um corredor e outro, sempre amarrada; se via dentro de uma máquina, de repente se via de volta à enfermaria da emergência, no mesmo lugar, com a mesma enfermeira simpática olhando bem nos seus olhos e falando, muito animada, com aquele sotaque nordestino:
- Ô menina! Mas você caprichou nas férias hein? - e sorria, com sorriso de quem diz que tudo vai ficar bem. Seu sorriso era reconfortante.
Enquanto não vinham os resultados dos exames, ela sabia que qualquer suspiro podia ser o último. Ela não sabe se disse ao seu amado o quanto o amava, o quanto sentia pelo que estava acontecendo, mas gostaria de ter dito. Só sabe que ele estava sempre ali, na cabeceira da maca, e em pé, porque não tinha onde se sentar. Alguns minutos, para ela; mas na verdade, foram muitas horas.
Sentia muita dor na cabeça e no cóccix, que ficavam diretamente enterrados na dura maca, que ainda era aquela do resgate, até o final dos exames. A dor era insuportável, mas ela tentava se conter, porque não queria desesperar o seu amado.
Um médico chegou com os resultados do raio-x e da primeira tomografia, e ela ouviu:
- Está tudo bem, não quebrou nada e não houve hemorragia interna. Ainda hoje ela terá alta.
- E o ouvido?
- Parou de sangrar, mas talvez tenha perfurado o tímpano. Mas isso só poderá saber daqui a mais uns dias, precisa esperar uns dias para mexer.
Bem, ela estava ouvindo. Se estava ouvindo, pouco importava que tivesse perfurado o tímpano. Foi o que pensou.
Quando o médico saiu, ela chorou. Choraram juntos o alívio de não ter de lidar ainda com o momento da despedida. Foi um choro incontido, de quem se arrepende de cada minuto de inquietude daquela manhã, da pressa, do descontrole; de quem é tão grato por ter por perto alguém que tanto ama, e ainda, de estar vivenciando tudo aquilo num lugar onde as pessoas são aquilo que é tão raro de se ver: são humanas. Elas sorriem! No meio de tanta dor, as enfermeiras sorriem, e nem sabem o quanto seu sorriso melhora o efeito do anestésico.
Foi então retirada da maca do socorro e passada para a maca da emergência, um pouco mais macia, mas ainda naquela mesma posição. Autorizaram então a dobrar os joelhos, o que aliviou a pressão sobre o cóccix. Já era quase meio-dia quando chegou a hora de fazer a sutura na cabeça, e foi só neste momento que soube que tinha cortado a cabeça a ponto de precisar de pontos.
Foi colocada sentada e vieram então o médico e a enfermeira, soube que iriam raspar seu cabelo, sentiu esse raspar, imaginando como ficaria depois; sentiu a picada da anestesia, sentiu o puxar das linhas dos pontos, e só. No fim da costura, a enfermeira feliz tomou uma decisão:
- Menina, vamos lavar um pouco esse cabelo! Está uma nozeira só, não está bom todo esse sangue secando por aqui. Vamos lavar aqui na pia mesmo.
Foi carregada até a pia, sentada num banco em frente a torneira, baixou a cabeça para dentro da pia atendendo aos pedidos da enfermeira. Sentiu a água escorrendo, viu a pia se encher de tinta vermelha, muito intensa. Fechou os olhos para não ver mais. E ouviu, para seu desespero, uma certa aflição na voz da enfermeira sorridente:
- Meu Pai, olha aqui. Tem um prendedor de cabelo enfiado na cabeça dela!
Era a pequena piranha de plástico, que segurava o pequeno coque no topo da cabeça, como sempre, como há vários anos.
- Tem mais um corte aqui!
- Tem mais um corte aqui!
Ela não queria ouvir. Ela não queria mais descobertas, bastavam as descobertas para aquele dia. Mas era uma descoberta, era uma nova sutura necessária. Sentiu de novo a picada da anestesia, sentiu de novo os puxões da linha fechando o corte, viu os pedaços da piranha, mostrados pela enfermeira feliz: olha aqui!
Quando levantou-se da pia, ainda carregada, avisou: estou desmaiando. Tudo girou, sem qualquer possibilidade de parar em pé. Fechou os olhos enquanto o mundo girava, e se deixou ser conduzida, de olhos fechados, até a maca. A enfermeira levantou as pernas, segurou até aliviar um pouco, mas a cama continuou a girar desenfreadamente por muito tempo. O amado segurava a mão, para aliviar a sensação de que seria arremessada da cama.
Um pensamento interessante veio muito tempo depois, dito pela mãe da menina:
- Você já pensou que foi salva pelo seu coque? Com o seu coque, teve um corte abaixo, e um acima. E se não tivesse?
Sim, Mãe. Acho que ela não teria resistido à pancada. Você tem razão na sua observação.
Muitas horas se passaram até ser retirada da emergência e removida para a enfermaria. Tinha cerca de dez leitos, divididos apenas por biombos; tinha gente gritando, chorando; tinha crianças, idosos. Tinha toda sorte de pessoas sem sorte. Mas ela receberia alta ainda naquele dia.
Só que a dor que sentia na cabeça quase lhe impedia de respirar. Não podia se mexer, não podia respirar, muito menos chorar, ou qualquer ação que alterasse a pulsação ou a respiração: a cabeça era um balão prestes a explodir, uma dor que nunca havia imaginado que existisse. E não era uma dor no local das suturas: sentia a testa doer, os olhos, tinha uma quase certeza de que tinha alguma coisa explodindo dentro da cabeça.
No fim do dia, chegou o médico do plantão com o veredito: vou assinar a alta.
- Não posso ir, Doutor! Minha cabeça vai explodir, tem alguma coisa errada.
Sim, ela pediu para ficar, o médico concordou que era melhor, determinou a internação, porém alertou: temos de esperar vagar um quarto.
Do outro lado do Brasil, estavam as famílias. A família dele foi comunicada mais cedo, até mesmo por força de ter alguém com quem dividir o que estava passando. A família dela, não. Só seria comunicada quando tivessem certeza da situação. À noite, antes de dormir, ela pediu ao amado que comunicasse a sua irmã. A irmã quis falar ao telefone, acho que para ter certeza de que realmente do outro lado havia uma pessoa consciente. Mas combinaram: a menina contaria pessoalmente aos pais, no outro dia, porque estava esperando que tivesse alta e isso já traria alívio a eles.
E assim se passou a primeira noite na enfermaria. Quando acordava, via seu amado dormindo, sentado, numa cadeira de plástico, com os braços apoiados na cama, aos seus pés, a cabeça encostada dentro dos braços. Era uma dor maior que ela sentia. Não podia se sentar, mal se mover para os lados. Não podia abraçá-lo. Pedia que por favor ele fosse para o hotel dormir, mas ele não aceitava a proposta.
No segundo dia, já mais consciente, tomou coragem de, pela primeira vez, passar a mão pelos cabelos. E chorou. Mesmo com o banho de pia que a enfermeira lhe concedeu, era um ninho de sangue seco. Foi uma decisão difícil a de erguer o lençol para olhar para si e saber como estava o resto do corpo. Hesitou por muitas vezes até tomar essa ação. Olhou então para si, sem os lençóis, tentou tomar consciência das consequências: tinha poucos esfolados, muitas manchas roxas, algum sangue pelas roupas, e o braço esquerdo totalmente roxo, quase tão preto, que parecia que estava prestes a cair. Alguma coisa havia sido machucada na coluna e no cóccix, pela dor que sentia; mas não eram o foco do momento. A nuca, na parte de trás do ouvido que teve hemorragia, estava também tão roxa que era simplesmente assustadora.
Uma pausa para observação: quando se deu por conta sobre a roupa que vestia, veio à menina, imediatamente, uma lembrança forte: na infância, num acidente de carro com a família, recebera um paninho listrado preto e branco, de um casal de estranhos que ajudaram no socorro, para limpar um pouco de sangue que havia no seu rosto. Agora, olhava para si e via uma blusa listrada em preto e branco. Seria uma bandeira? Um sinal? Uma evidência de que as cores deveriam estar sempre na vida e no pensamento? O dia do acidente amanheceu cinza dentro da menina, a despeito do sol que brilhava lá fora. As roupas coloridas foram abandonadas. A menina deveria ter passado a borracha naquela pintura, para dar ao dia as cores que ele merecia? Sim, ela devia. Era uma lição que aprendera no meio daquilo tudo.
A realidade é sempre dolorosa. Tomando consciência da situação em que estava, pediu para tomar banho, pediu se tinham toalhas, ganhou então um lençol da enfermeira, como uma alternativa para possibilitar o banho, já que não haviam toalhas na enfermaria. E foram para o banheiro, o único banheiro disponível, ela e seu amado. Receberam sabonete e uma cadeira.
A realidade é sempre dolorosa. Tomando consciência da situação em que estava, pediu para tomar banho, pediu se tinham toalhas, ganhou então um lençol da enfermeira, como uma alternativa para possibilitar o banho, já que não haviam toalhas na enfermaria. E foram para o banheiro, o único banheiro disponível, ela e seu amado. Receberam sabonete e uma cadeira.
A menina imagina o quanto foi difícil aquele momento para o seu amado. Ela, sentada debaixo do chuveiro, sem conseguir nem andar sozinha, sempre precisando de apoio para se locomover. Ele ali, desfazendo os nós do cabelo, usando sabonete, vendo aquela água vermelha escorrer pelo chão do banheiro. Demorou mais de hora aquele banho vermelho. Doeu, aquele banho. Doeu, a dor física e a dor emocional, doeu a submissão, doeu a sensação de fazer alguém que tanto amava passar por situação tão delicada. Ele estava ali, o seu amor, como ela logo identificou ainda lá, inconsciente. Ele estava ali, segurando a sua mão e lavando seus cabelos, secando, vestindo a sua roupa, levando de volta para cama, com o corpo limpo, mesmo ainda com a mesma roupa ensanguentada.
Então chegou a hora de comunicar sua mãe, pelo telefone.
- Oooi! (o mesmo ooooi puxado, de sempre) Sim, está tudo bem! E eu estou conhecendo tantas coisas novas aqui em João Pessoa que vim conhecer até o hospital. Hehe, sim, o hospital. Fui atropelada! Não mãe, nada grave. Só estou em observação, mas já vou ter alta hoje. Tudo certo!
A mãe não acreditava, quis falar com o genro, ligava a cada período. Imagino o coração dessa mãe, a tantos quilômetros de distância, e conhecendo tão bem a filha que tinha, que tinha aquele hábito de diminuir os problemas para não preocupá-los.
A alta não veio, o que de certa forma deixava a menina aliviada, porque as dores na cabeça não haviam passado. No final do segundo dia, ele precisou voltar ao hotel e trazer algumas coisas. Estavam ainda na enfermaria. Por sorte ou por induções divinas, não sei, a empresa que iria levá-los para passear estava ali todos os dias, prestando assistência, vendo se precisavam de alguma coisa. Levavam o amado para trocar as passagens, para comprar remédios, para o hotel buscar roupas. Aquela coisa de humanidade, que a menina tanto havia sentido - aquela humanidade estava ali, presente. O rapaz da empresa visitou a menina no leito, perguntou se estava tudo bem, falou que estavam ali para o que precisassem. Você já viu isso? Ela viu, era feliz por isso.
Foi mais uma noite em que o amado dormiu entre cadeiras e bancos do hospital, porque ainda não haviam quartos. Veio uma roupa limpa para a menina, uma escova para pentear os cabelos. Veio um desodorante.
No final do terceiro dia, ansiosa pela alta e com menos dores na cabeça, viu a médica do plantão chegar.
- Olá! Como você está?
A menina falou que estava melhor.
- Nossa, mas esse seu braço está feio! Fizeram raio-x?
A menina contou que sim.
- Não, precisamos de mais um raio-x. Esse braço deve estar quebrado! Você não sente dor?
A menina falou que não. Mas falou que a cabeça ainda doía.
- Então vamos fazer alguns exames antes da liberação. Vou pedir mais uma tomografia e outro raio-x do braço, para ter certeza.
Foram horas até fazer os exames, e mais outras horas até chegar o resultado.
De repente, a menina ouviu chamarem ao microfone o nome do amado, para comparecer até a recepção da enfermaria. E então imaginou que algo não estava bem.
Quando voltou, o amado trazia olhos de abandono. Teve então certeza de que algo não estava bem. Ele disfarçou.
- Apareceu uma coisinha no exame, a médica já vem falar com você.
Durou uma eternidade até a médica chegar, cheia de tato, selecionando as palavras para contar que na ressonância havia aparecido uma hemorragia cerebral, mas que já havia chamado o neurocirurgião do plantão para verificar. E que, como ele morava perto, devia chegar em alguns minutos. Sim, o neurocirurgião foi chamado de sua casa para ver o exame da menina. Não precisava mais nada para se instaurar o desespero. Foi a segunda vez de choro incontido.
De fato, o neurocirurgião chegou em alguns minutos, olhou o exame, e indicou:
- Precisa de alguns dias de observação, e se houver regressão não precisaremos de intervenção cirúrgica. Faremos novo exame em 48 horas.
Havia um "se" nas suas palavras, e um prazo muito longo de espera. Nessa mesma noite, diante da situação, foi acelerada a transferência para o quarto, onde havia um banheiro, toalhas e uma cama para o seu amado. A maior melhora da menina aconteceu vendo o seu amado devidamente acomodado, a despeito de tudo o mais que estava envolvido naquela situação.
Foi só no momento da conversa com o neurocirurgião que a menina ouviu pela primeira vez o termo do qual tanto tinha medo: havia tido um traumatismo craniano com edema cerebral. Aprendeu que o cérebro é "uma gelatina" e que, como a pancada aconteceu na parte de trás da cabeça, o ricocheteio fez com que houvesse impacto na parte frontal do cérebro. Por isso era aquela dor insuportável. Ela tinha razão em querer ficar, no primeiro dia.
O quarto trouxe certo alívio para aquela sensação terrível de espera pela próxima tomografia. A menina ainda precisava de ajuda para caminhar, porque a tontura não deixava dar um passo certo. Os lapsos de consciência permaneciam. A cada hora era um enfermeiro novo, um novo medicamento no soro, um novo frasco enorme de soro, um novo comprimido.
No final do quarto dia, a menina teve um pedido especial a fazer, quando a nutricionista veio fazer a visita no quarto:
- Por favor, eu poderia tomar um café com leite?
E a nutricionista falou que iria verificar.
Depois de quatro dias com dieta líquida, ela então recebeu a surpresa depois do pedido: uma bandeja com café com leite e duas torradas. Foi a melhor refeição da sua vida.
No quinto dia, o amado trouxe docinhos, todos decorados, em forma de bichinhos. Não havia palavras para descrever o tanto de amor que ela sentia por ele, pelos seus gestos. E isso que ela nem imaginava o que se passava lá fora, o quanto ele se esforçou para resolver todas as questões, mudar as passagens, obter a autorização médica para viagem de volta, mudar de hotel, manter as pessoas do outro lado do Brasil informadas.
A menina soube que a enfermeira sorridente veio até o quarto para visitá-la, depois, mas ela dormia. Era a humanidade, no sentido pleno da palavra. Onde a menina veria uma enfermeira que deixa a emergência para visitá-la no quarto, quatro dias depois?
A terceira tomografia, tão esperada, não veio no quinto dia. A noite chegou, a tomografia não. Porém, ao final do dia, ambulância levou a menina, novamente na maca, até um centro especializado em ouvidos, para verificar se havia ou não perdido o tímpano, já que a audição não tinha voltado. Era noite quando foi atendida, muito atenciosamente, e recebeu a notícia: está intacto. A volta ao hospital tinha um sabor especial, nem sentida a dureza da maca ou o ambiente hostil da ambulância.
Foi só na manhã do sexto dia que veio a tomografia. Era uma ansiedade, e a notícia sobre o laudo trouxe uma alegria: a lesão havia regredido. Estava liberada, com uma série de restrições e uma espera de pelo menos mais dois dias para voltar para casa, por causa da pressão da viagem de avião. A menina já conseguia caminhar sozinha sem tantas tonturas, mas ainda não com tanta segurança. A mão do seu amado nunca foi tão importante.
- Doutor, posso ir à praia nestes últimos dias? Prometo ficar na sombra...
Pode, menina. Mas não se agite, não eleve a pulsação, não tome sol, proteja a cabeça. Vá no início ou no final do dia.
A empresa de turismo foi buscar a menina e seu amado no hospital para levá-los ao novo hotel, devolveu o dinheiro do passeio não realizado, embora não quisessem receber - já bastava toda a ajuda que receberam. Mas eles devolveram.
Chegar ao hotel e olhar o mar, sentir o vento no rosto, não poderia ter outro efeito: foi o terceiro choro incontido. Era a vida que voltava. A vida, de quem ela tinha se despedido enquanto estava na ambulância, ouvindo a sirene; a vida, que a permitiu conhecer o lugar que tanto queria antes de morrer; a vida, que trouxe ao seu caminho pessoas tão especiais, uma família completa; era a vida que ela sentia. A vida continuava. O mar ainda estava ali, verde e quentinho, os mesmos coqueiros, o mesmo vendedor de milho verde. E ela já podia abraçar. O mundo parou então por um minuto, na calçada em frente ao hotel, para que a menina abraçasse seu amado e simplesmente chorasse, sem se importar com nada do que existia ao redor.
Foram muitos documentos coletados antes da viagem de volta, na polícia, no hospital, em todos os locais possíveis e necessários.
Ninguém que tivesse visto o acidente foi encontrado para tentar identificar os culpados. Mas a moça que atropelou a menina, foi julgada aparentemente culpada, pelo seu comportamento durante o acidente, e por mais um motivo: nunca mais apareceu. Foi a exceção para o critério de humanidade demonstrado pelos pessoenses, porque nunca quis saber se aqueles turistas, sozinhos, se seu amado, perdido em João Pessoa, precisava de uma carona que fosse.
Até a viagem de volta, muitas lágrimas aconteceram, todas de emoção. Não houve sequer um minuto de desgosto pelo que tinha acontecido, pelo menos não para a menina. Ela tinha a certeza de que havia um motivo para todas as coisas sob o céu, e que ainda entenderia o porquê - mas que não poderia haver lugar mais humano para passar pelo que passou.
Na última manhã, sentou à beira do mar, foi empurrada pelas ondas, se despediu da areia branca e da água limpa e quentinha, que não existiam no lugar onde vivia. Não sabia se iria voltar, não sabia o que mais podia vir depois. Apenas sabia que era feliz por estar ali.
Muitas coisas aconteceram e muitos novos diagnósticos vieram depois da volta para casa: osso petroso, aquele do ouvido, de onde partem os nervos faciais, estava trincado, por um triz de uma paralisia facial. "Faça uma novena, menina!", disse o otorrino quando viu o resultado do exame. A audição voltou perfeitamente, mas a dor na coluna persistia. Veio o diagnóstico de coluna lesionada e cóccix trincado. Veio um diagnóstico de cisto no ovário, do tamanho de uma laranja, causado por defesa do organismo para evitar gravidez no momento de debilidade. Os hospitais de Curitiba diziam que não tirariam pontos que não foram feitos naquele hospital. "Quer que eu volte a João Pessoa para retirar os pontos?" - foi a última pergunta da menina antes de tomarem a decisão de atendê-la, finalmente. Veio a depressão, o medo, vieram as crises de pânico. Vieram dias difíceis. Veio o diagnóstico final, sete meses depois de acompanhamento neurológico: uma pequena perda de massa encefálica, numa região que pode causar mudanças de personalidade, afetar a capacidade de tomada de decisão e de controle das emoções. Veio uma possibilidade de medicamentos controlados e acompanhamento neurológico por toda a vida, coisa que só se virá a saber com o tempo. Veio a psicoterapia. Felizmente, nenhuma alteração da capacidade motora, e a menina estava liberada para dirigir, para as atividades físicas, para o trabalho, enfim: para a vida.
Não há como negar que aquela viagem alterou uma vida, talvez a de muitos com quem a menina convive. Foi difícil para a menina lidar com questões que parecem tão simples, tão básicas, como as frases das pessoas que tentam ajudar:
- Há sempre uma razão para Deus!
- Agradeça a Deus por não ter quebrado nada, não perder nenhum movimento!
- Pense que você poderia ter morrido, mas está viva!
Era difícil lidar com questões que fazem olhar para o que há de possibilidades ruins para então se conformar com o que existe. Como dizer: na sua rua há criminosos? Podia ser pior, pense nas guerras dos povos israelitas!
Não, não podia ser assim. A impunidade incomodava a menina. Como pode alguém alterar um curso de vida, sumir, nunca aparecer, e não sofrer qualquer punição? Será que a própria consciência da pessoa que atropelou a menina já foi punição suficiente? A psicóloga tentava ajudar a menina a entender que uma pessoa que não se importa com uma cena como a que viu, não será punida por consciência. A única forma de penalizar seria a dos meios dos homens, a jurídica. Não adiantava esperar um pedido de perdão, coisa que já faria a menina se sentir aliviada. Eram questões a serem tratadas com o tempo, com mais calma, e sem emoção - só com a razão.
Mas a vida seguia. Enquanto muitos achavam absurdo ter acontecido o que aconteceu numa cidade tão distante, durante as férias, a menina tinha uma certeza: não poderia ter acontecido em lugar melhor. Pôde sentir a humanidade, coisa que achava que não existia mais. Pôde acreditar na vida, ter certeza infinita quanto ao amor que sentia pelo seu amado. E pôde tomar uma decisão: voltar para aquele lugar.
Voltar, não necessariamente no sentido de dar a volta, não para tentar resolver coisas não resolvidas. Voltar simplesmente, sem vínculos com o passado, só para sentir de novo aquela paz de antes, o gosto daquele sorvete de gengibre, do bolo de tapioca. Voltar para sentir de novo aquela água quentinha, para chorar de emoção. Para visitar a enfermeira sorridente, quem sabe. Para agradecer. Para retomar aquele passeio que começou torto, na manhã do sétimo dia, conhecer o Rio Grande do Norte, rolar nas dunas. Voltar, simplesmente para retomar a vida a partir de um ponto onde ela foi, de certa forma, interrompida. Para ver as cores.
Era essa a história que a menina precisava contar, com muitos detalhes, uma certa explicação sobre o porquê de voltar.
Agora, ficam dispensadas maiores explicações. Fica determinado que todos têm o direito de voltar a onde quiserem, porque cada um sabe as razões que o fizeram escolher:
- Quero voltar. Eu sei o porquê.
Um comentário:
Uauuhhh lindo e maravilhoso, belas palavras.
lembrei-me da quela manhã, quando ficamos sabendo e de toda a angústia de estar longe, sem ver, sem saber melhor como estava e as orações pela melhora, que bom que hj apesar de tudo que se passou por conta do acidente, são lembranças boas e ruins isso faz parte da sua história e volta mesmo eu também voltaria se fosse comigo, o lugar é só um lugar poderia ter sido em qualquer outro. É como uma viagem interrompida que agora você vai ter a chance de aproveitar de novo sem sustos agora tá bjoss no coração!
Lucy!!!!
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