domingo, 17 de março de 2013

Sobre pais, filhos e despedidas

Hoje, um filho deu adeus ao seu pai - mas nenhum pai deu adeus ao seu filho. Quisera que sempre fossem os filhos a acompanhar os pais em sua velhice, levando-os pela mão imaginária até o último caminho, cientes de que foi cumprida por completo a trajetória! Quisera que sempre os pais pudessem ser carregados a última vez pelos seus filhos, e nunca os filhos pelos pais; que o curso natural da vida fosse sempre cumprido.

E hoje um filho deu adeus ao seu pai. Mas nessa hora não importa o quão correto tenha sido o curso da vida, ainda é uma dor que dói, ainda é uma luz que se apaga, ainda é a mesma pergunta sem resposta.

Nada pode ser simples quando se olha pela última vez para quem se ama. Aquelas dúvidas todas surgem enormes e mais ofuscantes, ao mesmo tempo em que se lembra uma certeza: um dia será a minha vez. Quando será a minha vez? Quisera ser eterna, quisera ter certeza de que não é um adeus, é um "até breve"... Quisera colocar todos aqueles que amo dentro da minha caixa secreta, fechar muito bem, para sempre, para que sempre estivessem ali. Não haveria forma de ser assim?

Não, não há como ser assim. Todos os dias, a única certeza é o segundo presente, que pode ser o último. Quem será forte o suficiente quando for o último? Quem suportará essa dor?

Pais e filhos, seres únicos, para sempre unidos pelo laço de sangue ou de afeto, tão distantes pela graça e possibilidade de serem diferentes. Pais e filhos são seres comuns que concordam, discordam, amam, magoam. Pessoas como outras quaisquer, mas sempre pais e filhos. Pais e filhos recebem o desafio enorme de aceitarem um ao outro como são, do aprendizado mútuo, do respeito das diferenças. Pais imaginam que sua missão é ensinar os filhos, mas precisam estar abertos para aprender com eles. Filhos esperam que os pais sejam por eles, mas precisam entender a troca que deve haver nessa relação. Pais e filhos são a primeira lição de que as pessoas são únicas e diferentes, frágeis e, por assim serem, sujeitas às mesmas fraquezas em seu caminho.

Todos os dias somos agraciados com a chance de dar novas cores à pintura da vida, de perdoar, de se doar, de se calar, quando a intenção da palavra não for nobre o suficiente. Todos os dias temos a possibilidade de fazer daquele o dia em que a mágoa profunda será relevada, em que os erros serão perdoados, que entenderemos que pais são apenas pais, mas são pessoas comuns, e filhos são apenas filhos, mas são pessoas comuns. Remover o véu da expectativa; substituí-lo pelo da compreensão, do respeito, da gratidão.

O último beijo deixado no rosto frio de um pai que morre tem uma carga infinita de palavras de gratidão e de perdão, mesmo sobre aquelas coisas que não sabe ao certo por que precisam ser perdoadas. Mesmo pelos erros que não se sabe se cometeu. São palavras indizíveis, inexpressáveis, aparentemente impossíveis de serem ditas de outra forma.

O derradeiro momento traz consigo um céu aberto, um chão coberto, um incompreensível sentimento que só aparece nessa hora. E não é assim por sermos fracos, mas por sermos humanos; não é por sermos pequenos, mas por sermos puros. A pequenez que sentimos nesse momento é sempre fruto de não termos sido preparados para amar de coração aberto, por termos aprendido a guardar os sentimentos, a trancá-los, para que somente fossem vistos por nós mesmos. Não nos ensinaram que não há hora certa para dizer "eu te amo", "eu te perdoo". Não nos ensinaram que nem sempre é necessário ser culpado para pedir perdão. Não nos ensinaram que não é preciso esconder nossas fraquezas.

Todos os dias temos o desafio de deixar de tentar compreender, de aceitar, de deixar de procurar os culpados, de olhar para a estrada que está à frente e não para as pegadas que ficaram. E no dia de hoje, do fundo da minha pequenez, repito mentalmente a minha velha conclusão: viver é um desafio, uma arte. Uma graça diária.