quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Artêmio

(2003)

Acho que se chamava Artêmio

mas eu não eu podia perguntar
se ele me fitasse seria
enlace
aquela coisa difícil de escapar
de conter, de controlar
de repente, tudo me olhava
me perseguia, me dominava
eu não perguntei o nome dele
eu não podia
porque o mundo tinha olhos e nos via
eu nem me permitia
beijar a sua mão
como forma de gratidão
nem dizer que ele era meio mágico
que ele tinha amanhecido mais fantástico
eu não podia nem dizer meu endereço
eu não podia eu não podia
dizer de verdade aquilo que eu sentia
de repente tudo era suspeito
as mesas as cadeiras as flores do canteiro público

Acho que era esse o nome dele

Artêmio era um nome um pouco estranho
bem que eu queria ter perguntado
mas você entende, eu não podia
ele me olhava, eu sorria
eu queria dizer mais, mas não podia.


segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Explicação

(1998)

Quem poderá explicar o verso que escrevi?
Encontrar o sentido, a origem, a meta?
E se eu versejar:
“Chorei.
Quem saberá meu motivo real?
Se é minha lágrima histérica
romântica, melancólica,
política
ou de amizade, ou de luto
ou de doença, ou de espanto
ou de simples pranto
ou de desencanto?

Não lamente nem cante. Não grite.
Não tente entender um poeta:
há bem mais de sete faces em cada verso.


Meu verso é raro; não inoportuno.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Correnteza

(1999)

Há alguns anos tu choves sobre os meus cabelos.
Gotas, gotas,
incontáveis gotas escorrem pela minha pele.


Agora estou sentada à beira do mundo
contemplando, calada, 

os vestígios que deixaste.
Teus rastros na poeira estão extintos,
teus lábios são os meus olhos, cerrados.


A tua chuva chove em mim todo este tempo
Me lava, me leva
me deixa à mercê da correnteza selvagem.
A tua chuva tirou minha base forte,
meus pés buscam em vão um apoio estável.


Tu choves, choves constantemente,
amanheço e adormeço sob tuas gotas,
minhas certezas diluídas na umidade.


A tua chuva não cessa, por mais que eu lhe peça;
agora estou me afogando na enchente.
Mas te aviso, te aviso que pares:
o passado, é em vão,
tua chuva não lava.



O Observador

(2006)

Tenho observado a vida e como ela passa.
O passado se perde na fumaça da lembrança
e agora remoemos nossas falhas e imploramos em silêncio
por perdão.

A verdade é sempre dolorida e, às vezes,
chega tarde.
Passamos nós num caminho oblíquo
não temos tempo para pensar
estamos por demais ocupados e sonolentos,
sobrevivemos.

Tenho observado a magia de algumas crianças.
Tenho me sentido dentro delas,
uma fada para atender os seus encantos,
como se pudesse tornar os seus encantos imortais.

Um dia me tiraram a magia:
a ciência mata o pouco encanto que temos.
Ah, como era bom acreditar no que não existia!
Essa coisa fantástica que vem nas crianças
e nos idosos e nos nossos pais
um pouco menos conhecedores da verdade
mas não menos sábios!
A verdade, esta verdade que vemos nos livros,
que nos instrui, que nos faz preparados,
que nos firma o intelecto,
esta é a verdade que mata a nossa poesia.
Queremos saber tudo, queremos saber mais,
queremos conhecer toda a tecnologia
queremos saber do ocultismo, a vida após a morte
queremos o porquê, a causa, a circunstância,
queremos as respostas que outrora não existiam,
e que por não existirem fizeram a vida tão mágica!

Tenho observado o quanto estamos desconcertados.
Tenho observado as rimas, que começam a fugir, assustadas.
Tenho observado as novas cifras, um tanto repetitivas;
as novas crianças, um tanto alienadas;
as novas poesias, um tanto severas, um tanto esperançosas.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O cheiro que dói

O vento traz então aquele cheiro
de saudade, das flores amarelas,
do bálsamo,
do perfume que não apraz
Aquele cheiro que me leva a ti,
minha querida lembrança branca
um pouco cinza, um pouco triste,
apenas suavizada pela imagem que não se apaga
do teu rosto,
sereno.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Pousada dos Anjos

Porque o belo é tudo aquilo
que o faz vê-lo
além do elo dos olhos

É o que transcende, o puro,
seja branco, amarelo,
a cor que desejar entendê-lo

Porque o belo, o mais belo,
é o que, num instante, te admira,
no outro, a entretê-lo,
de repente te suspira:
a vida respira!

Aspiro e levo comigo
para onde desejar expirá-lo:
aspiro o puro, o branco, amarelo,
celestial e simplesmente
belo.

- Canela/RS, 14-01-2014

Aquele amor

Aquele amor me fascinava,
me assustava, me seduzia,
me parecia a coisa exata que eu queria.

Aquele amor me pretendia
me cercava, eu, arredia;
me acordava no meio da noite fria.

Aquele amor me dopava,
me transcendia, me transpirava,
me distanciava de tudo que eu temia.

Aquele amor que eu adormecia
que eu rejeitava, eu me escondia,
eu me encarava e ele me aparecia.

Aquele amor que eu hesitava
eu duvidava, estremecia,
eu me entregava, eu me rendia.

Aquele amor que eu sonhava
que eu pensava que não existia
aquele amor... me acontecia.

Aquele amor que me ressuscitava,
transbordava em mim a poesia.
Aquele amor era um amor que se expandia.

Aquele amor,
perpetuava.






Hai-kai do livro-mundo

O mundo lá fora,
quando abro um livro,
não vivo.




Hai-kai General

Tic-tac marcha rima
tudo que tem métrica
mais me fascina.





Metaforize-se

Onde se lê
- vê-se
leia-se
- e se fosse?

Entre a flor colhida
e a flor que cresce
há tanta pressa
e tanta vida
e tanta prece!

Leia-se:
e se fosse?

Metaforize-se.


sábado, 4 de janeiro de 2014

Cacofonia

Não mais que um eco
Não mais que um sonho
Não mais que um fogo
Não mais que um ego
Não mais que um tanto
Não mais que um ato
Não mais que um canto
Não mais que um fato
Não mais que tudo
Não mais que sós
Não mais que o mundo
Não mais que nós