Reflectare
Patrícia Moresco
Eu quero um poema que disserte muito
Não a mim apenas, mas ao mundo;
que não seja apenas mais uma história,
que frutifique e que deixe memória.
Eu quero falar deste chão que me acolhe
Onde a brisa da aurora ao raiar se recolhe
Deste chão que tem água e tem verde e tem vida
Deste chão onde cresce a semente nascida.
Eu não quero, porém, só olhar os campos
As flores, regatos, seus milhões de encantos;
Quero olhos abertos para ver além
A noite tão fria que meu povo tem.
Eu quero falar da nação-natureza
Que se esvai pelos ralos da mãe-avareza
E não perde a beleza apesar de ter classes
E de ter homens sábios em mudar de faces.
Eu quero falar da nação-sociedade
Que inspira esperanças a qualquer idade
Que tem liberdade em sonhar e sonhar
E as mãos impedidas de concretizar.
Eu quero falar de quinhentos anos
Em que os próprios homens já não são humanos
Em que a vida é fonte de matéria prima
Em que o pão-dormido ilude, desanima.
Eu quero falar de quinhentos anos
Em que os índios lutam pelos seus direitos
Em que seus direitos são apenas planos
Em que os planos (tantos) nunca são perfeitos
Eu quero falar de um país que importa
E destrói a vida, sua artéria-aorta
De um país que cresce em batalhões de pobres
Enquanto alguns crescem em milhões de cobres
Eu quero falar de um chão produtivo
Que os latifúndios fazem inativo
Do branco que um dia se apossou da terra
E cujo legado é o instinto de guerra
Eu quero falar, tenho tanto a dizer!
Este chão-abrigo é que me faz viver!
São quinhentos anos que o Brasil labuta
E que sonha e que sofre e desperta e luta
E no entanto ainda vive desigual
E que sempre adia sua arte final.
Eu quero falar que cantar não basta
Pra solucionar a insensatez tão vasta;
É preciso vida para ser feliz
Permita que eu grite pelo meu país.
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