quarta-feira, 13 de setembro de 2006

Epigrama fiel da Morte

A morte me atirou contra a parede e me fez sentir medo de dormir sozinha. A morte tem ar de desgraça e olha de cima para seus súditos. A morte traz na mão flores brancas e tem cheiro de incenso. A morte tem salas de espera nos hospitais e bips incansáveis nas UTIs. A morte acende velas nas tardes dos cemitérios enormes. A morte tem um minuto de silêncio antes dos jogos de futebol. A morte tem crianças assustadas vendo fantasmas pendurados na parede do quarto. A morte tem casas cheias e pede uma última bênção. A morte pode chegar irônica ou cheia de hipocrisia. A morte prega adesivos cadavéricos no pára-brisa dos carros. A morte vende álcool engarrafado com rótulos modernos e propagandas sedutoras. A morte tem lágrimas salgadas inevitáveis e duradouras. A morte tem procissões com cânticos ecumênicos que seguem os funerais pelas ruas da cidade. A morte inscreve belos epitáfios nas lápides e ensina que as pessoas estão in memorian. A morte promete anjos alados e escadas com luzes que não se apagam nunca. A morte faz alguém chamar você de derrotado num final de campeonato. A morte diz que é pouco o que você tem e lhe faz sentir inveja do seu melhor amigo. A morte põe comerciais de cigarro na TV e implora que você experimente. A morte veste as pessoas de preto. A morte finca um prego na sua mão. A morte sangra e grita na noite ou afoga o escolhido sem permitir palavra. A morte faz as pessoas se perdoarem. A morte põe uma 765 dentro do seu carro e quer lhe mostrar como funciona. A morte quer você nunca aceite um não como resposta. A morte deixa lembranças e fotos amareladas nos álbuns envelhecidos. A morte faz feriados nacionais e proclama heróis nos livros de história e dias santificados. A morte atirou um cantor de um avião e o mundo inteiro chorou. A morte esmagou meu cachorro e ninguém além de mim lembrou disso. A morte faz você pisar fundo no acelerador e ultrapassar a velocidade limitada. A morte diz que andar armado é necessário e politicamente correto. A morte ouve rock black no volume máximo no último andar depois da meia noite. A morta joga palitos acesos no carpete do seu apartamento. A morte distribui lindas bonecas aidéticas maquiadas com destreza e perfeição. A morte desmanchou o mendigo que morreu de fome no fim do subúrbio. A morte reinou na caatinga e depois viajou deixando apenas a poeira. A morte trafica cocaína e enriquece num piscar de olhos. A morte vende ecstasy e se diverte com a frenesi nas danceterias. A morte distribui sexo nos finais de festa e se encanta com a pulsação de cada minuto. A morte faz você pedir outra dose no balcão do bar e arranjar briga com um desconhecido. A morte abre cassinos com fachadas luminosas e joga pocker em apostas milionárias. A morte embaça a lente do seu óculos num dia de chuva. A morte mergulha além da área permitida para banho. A morte não ouve conselhos. A morte tira o parafuso da roda-gigante e tem ruas de mão única sem placas de sinalização. A morte danifica o freio do seu carro e faz você adormecer no volante. A morte vende pílulas que dão coragem e derretem artérias. A morte sempre aponta indícios de ausência da felicidade. A morte chega sem aviso e tem uma hora imprópria de chegar. A morte não falha nunca. A morte é implacável. A morte é Imortal.

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