Véspera de Natal, desfazíamos as malas da viagem de férias e fazíamos novas malas para a viagem de Natal. A chuva havia dado uma trégua. Meia tarde, batem palmas no portão; quem ouve é o cachorro. Ouve-se um coro de três crianças.
- Feliz Natal, tia! Tem alguma coisa pra dar?
A minha cidade é uma cidade pequena, e é raro que apareça alguma criança ou outro pedinte. Mas o raro não é o impossível, e às vésperas de Natal toda criança deseja ainda mais alguma coisa. Nem que seja comida.
- Você tem fome? - pergunto.
- Sim.
Mentalmente, reviro todas as gavetas da casa em busca de um brinquedo, um caderno, um gibi que seja. Qualquer coisa diferente da necessidade básica da alimentação. Reviro minhas lembranças, meus conceitos, todos os valores guardados nas frestas abstratas da vida. Onde estão os restos de minha infância?
Sinto-me pequena.
É Natal.
Entrego um pão, um doce para passar no pão, um pote de balas e uma colher.
O ano termina. E o ano novo, que deveria ser novo, acaba por tornar-se igual ao ano velho. E nada vê-se de novo! A novidade está unicamente nas roupas novas das grandes festas de reveillon. De resto, tudo é resto. Acontece a involução.
De todos os votos que me vêm para o ano novo, e de todos os votos que emito, pensando bem, o que mais prezo é aquele que ainda não fiz publicamente. Que um dia, no ano novo, ou quem sabe - se é que ela realmente existe - numa nova encarnação, que seja num futuro remoto, mas que seja, o ser humano seja humano no sentido pleno da palavra. Que a violência deixe de existir, que as mães, pais e filhos deixem de morrer nas ruas, nas cadeias; que as próprias cadeias deixem de existir.
Desejo que, no ano novo dos meus tataranetos, talvez, não haja crianças pedindo de comer, nem às vésperas de Natal, nem em nenhum dos outros dias.
É este o meu verdadeiro voto de ano novo: que o ano novo aconteça, enfim.
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