Via a mãe correr assustada, rezar enquanto queimava os ramos bentos; o pai correr apressado para fincar o machado no chão de terra, em direção à tempestade e próximo da casa; a mãe preparar as velas porque, sempre que a tempestade chegava, era a luz que ia embora. Às vezes, o pai arrumava também o lampião. Via tudo acontecer ao redor e sentava quieta, esperando o pai e a mãe acabarem as orações e simpatias, ou procurava uma janela onde pudesse ver aquilo de mais bonito: os fios de luz entremeados, dando tons de azul ao céu preto quanto a tempestade era à noite.
O momento de observação durava tempo suficiente para a mãe interromper o pensamento:
- Menina, saia já de perto dessa janela! Não tá vendo o temporal?
Cumprido o ritual da tempestade, o pai deixava qualquer lida da roça, fosse noite ou dia, e se abrigava em casa. E a menina sabia que, pai estando em casa, tudo estava seguro.
Tempestade à noite era jantar sem televisão, com a mesa à luz de velas grudadas em antigas latas de biscoitos, para ficarem mais altas que a comida. Era jantar quieto, silente, com pai e mãe às vezes apreensivos enquanto estouravam os raios e os trovões e quando as árvores sacolejavam demasiado. Depois do jantar, era quase sagrado um jogo de cartas à luz de vela, para dar um tempo de digestão antes de ir para a cama. E ali estavam quase todos, porque o pai fez questão de ensinar o jogo de cartas para os filhos ainda crianças, para que todos pudessem ser seus parceiros nas horas vagas.
Tempestade de dia era ainda melhor. Quando via a tempestade se aproximando, um suspiro de felicidade envolvia a menina. Questão de tempo até o pai chegar da roça, apressado, tomar seu banho e se recolher, e fazer o pedido:
- Bênhe, já fez o chimarrão? E pipoca!
E o pai estando em casa, tudo estava seguro. Não havia sentido para alguém ter medo dos trovões.
- Medo por quê?! É tão bom!
O dia de tempestade tinha cheiro de pipoca, de mate-doce, de bolinho de chuva, de bolachas assadas no forno. Tinha cheiro de pai e de mãe, de família reunida. Tinha som de trovões e das vozes do pai e da mãe, italianos perfeitos, falando muito e bem alto, brigando na hora de contar quem fez mais pontos no jogo de canastra. Tinha a possibilidade de ganhar uma canastra do pai. Tinha silêncio. Lá fora, o mundo poderia cair, não importava, porque ali estavam a mãe e o pai, tudo iria ficar bem.
Não precisava estar junto - podia estar em outro canto da casa, brincando, desenhando - ou escrevendo, quando já menina crescida. Só precisava estar ali, só precisava saber que estava tudo em ordem. Era simplesmente uma paz, um pequeno sorriso interior que nascia quando via apontar o primeiro vento de chuva - e que nasceria para sempre naquele interior de menina, mesmo quando crescida, mesmo quando a casa do pai ficava tão longe, mesmo quando não sentia mais o cheiro dos ramos bentos queimados pela mãe, nem o cheiro dos bolinhos de chuva e do mate com canela.
Era só saber que estava ali. Era toda uma licença poética para os dias de trovões. Lá fora, o mundo parecia parar enquanto os raios acendiam no céu e os trovões faziam a sua intensa melodia. Era simplesmente amor, puro, claro, pitoresco, coberto de alívios, sem maiores adjetivos ou explicações.
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