segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Cacos de vidro

Esse corte é tão fundo, dói tanto
Fez ferida, dessas que a cicatriz
nunca apaga
contraiu minhas mãos, que nem se abrem
secou meus argumentos,
calou-me a voz
escureceu a cor do meu olhar
me deu medo
Eu não sei como se faz parar
se os pedaços quebrados se espalham
e nos cortam mais, e mais, e mais
derramam nosso sangue,
tiram-nos a força
E se acordasse, de repente,
no meio do pesadelo?
Fico em silêncio, nem entendo o que diz
meu próprio coração.




terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Sinos do temporal

Quando soaram os primeiros sinos
o temporal se anunciava
O céu escuro, longe a luz que cortava o céu
nuvens pesadas passavam rapidamente
nascia a noite no dia
O vento forte batia
a face, as árvores, as portas
que estavam abertas
- feche as portas! eu gritei
tentei avisar

Ainda levou tempo até que o vendaval
nos arremessasse
nos quebrasse os punhos, 
nos trouxesse tanta areia aos olhos
invadisse a casa, arrombasse as portas
fizesse voar pedras e papéis
trouxesse o temporal, 
fizesse molhar nossos tesouros

Eu tentei avisar, era iminente
o risco de desabar
Minha voz não foi forte o suficiente
nem clara o suficiente
nem suficientemente sóbria para ser
acreditável.







sábado, 17 de dezembro de 2016

Obra perfeita

Você demorou tanto, não entendi
por que veio tão tarde
a vida escrita, a mesa posta, 
tudo consumido
quando toca, abro a porta
da vida
você, exato, vigoroso
atrasou demais, tanto, chegou então
deixou tão confusos meus olhos
mas tudo está claro 
- que o motivo do atraso, meu bem,
é a perfeição
do seu entalhe








sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Declaração

Trouxe para ti tantas palavras
que, por te querer bem,
não direi assim.
Não quero que te afogues.
É melhor que diga aos poucos, e baixo,
para que as receba suaves
despidas da minha ansiedade.
Quem sabe nem as diga.
Quem sabe apenas guarde
assim, amarrotadas,
acumuladas na caixa do bem-querer
e da saudade;
protegidas, para que não se percam,
valiosas que são,
cheias de vida, de medos,
de observação,
de encantamento.



quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Transcendental

Se eu pudesse escolher
entre ir e ficar
eu iria
nem mais voltar eu queria
ser pó, água, ar
ser coisa qualquer
menos dor

A arte de viver
nenhuma teoria
ensina a compreender.





segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Telefone

É ele, será que é ele,
bem que podia ser ele
Era qualquer coisa
menos ele
Solto o ar que estava preso
recolho meu sorriso
piso no chão
prossigo.



segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Implanejável

O nosso encontro não é algo que possa acontecer
nos parques
sentar, ver o céu, tecer
singelos comentários sobre a vida.
Nem entre paredes.
Nem é algo que requeira palavras
que sobrariam, inúteis,
absolutamente desnecessárias.
Porque não se planejam furacões,
dilúvios, vendavais
nem encontros de tamanha intensidade.
Não podem ser contidos.

Não falemos a respeito
e que nos proteja
nosso silêncio.

domingo, 4 de dezembro de 2016

Da cor do sangue

Decidi, pintei as unhas de vermelho
mudei a direção, os cabelos
parei o mundo, tirei o salto
desci
impetuosa como sempre

Não sei ser leve, eu tento
isso de ser pérola
mas sou assim, inteira rubra
sanguínea, intempestiva
naturalmente descoordenada.





sábado, 3 de dezembro de 2016

Perfil

Eu sou aquele tipo de mulher difícil
que gosta do café sem açúcar
dos trovões,  dos temporais
pinto as unhas de preto, azul, 
de vermelho
ando descalça, na terra,
faço tatuagens

Do tipo fissurado na dieta,
na silhueta
faz foto nua na frente do espelho
Acordo pequena, descabelada
cresço depois, floresço, me visto
como quiser, se quiser,
para quem quiser

O tipo que vira o dia num roupão
atirada ao mundo
sacode a poeira, veste um top, 
um short curto
pinta os olhos de preto
liga um som, não chora mais,
canta até acabar a voz

Sou daquele tipo duro de lidar
te amo hoje, não te amo mais
me desafie e te amo outra vez
Sou possessiva, dominadora
mas me encanta a possibilidade de ser 
frágil

Ah, meu bem,
eu sou do tipo que se derrete com as flores
que chora vendo um filme, lendo um livro
Sou doce assim, às vezes, quando muda a lua
romântica até
mas se apertar você vai ver que tenho espinhos
e o meu braço
não suporta as amarras comuns a tantas bodas
Toco meu violão, estudo, sou louca por ciência
e inteligência é coisa que me excita
mas não se engane, sou do tipo que saca
todos os discursos decorados

Eu sou do tipo que ama o precipício
o perigo da onda na pedra,
e a arte da ser inteligível
Amo as palavras, as rimas
e minha poesia
sempre terá certa obscenidade

Ah, sou aquele tipo complicado
que tem a liberdade correndo na veia
tem a alma toda colorida
pintada num papel de fundo escuro

não se engane comigo, meu bem, não se descuide
mantenha distância, eu aviso
é mais seguro.


quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Consumação

Deixe que tudo me toque
Toque-me então
Me provoque
Só até girar
até que se consuma
nosso secreto estoque.