domingo, 26 de novembro de 2017

Ária ao amor imaginário

Desculpe ter demorado tanto, eu realmente
andei em silêncio, tão ocupada
tentando encontrar minhas verdades
buscando provas, coisas que me justifiquem
logo eu, que me conheço
tão injustificável

Mas eu preciso mesmo falar
que você estava lá
no pouco das verdades que encontrei
e se me permite traduzir em cores
digo que eras branco,
tão puro que era

Você precisa saber,
eu, tão boa com palavras,
continuo com aquele mesmo vazio
na hora de falar para você
na hora de explicar o que foi
tudo isso
esse furacão, vendaval
tanta sorte, fez tão bem
teve tanto sorriso
e era tudo verdade

Me perdoe ter saído assim
quebrando as paredes de vidro
deixando os cacos, o sangue escorrendo
dos cortes na pele
Doeu também, senti tanto
e eu não estava à altura
de tanto sonho
de tanto céu, tanto verde
beijos e vento tocando o meu rosto
assustadoramente libertador

Eu gostaria que soubesse: vida
foi o que eu pude ver nos teus olhos
Pareceram reais tantos sonhos
que nunca tive
era tão possível, tão perto
e - meu deus! - tão imenso
eu tive certeza
em cada gesto, cada minuto
nas horas consumidas
simplesmente em silêncio
no escuro, no som tocando, tão aleatório,
que nunca antes me tocou de tal forma
tão profundamente
Quando eu falei da primeira vez
repito, era tudo verdade
sobre aprender a amar

Queria falar sobre a sombra,
não escura, apenas a penumbra
de janela fechada
sobre sabores, sobre o riso,
a parada repentina, o olhar, olhos nos olhos,
arrepio
banho de chuva
Queria falar que amei o teu amor
a tua força, teu gesto doce
tua devoção pela minha força,
meu corpo, minha música
minha poesia
minhas piadas sem graça
meu cheiro
minhas revoltas

Desculpe não ter dito antes, eu pensei
que a dor podia tornar mais fácil;
o ódio
torna menos terrível seguir em frente
Me perdoe ter plantado o ódio, ter forçado
que me odiasse
ter quebrado os espelhos
a lembrança doce torna tudo mais pesado
saudade dói
demora curar

Desculpe não ter segurado firme
a sua mão

Mas agora eu precisava agradecer
você, que nem assim, nunca vai saber
Precisava declarar tanto carinho
a lembrança é boa, doce
dói por isso
mas é gratidão no meu coração
e eu só desejo cores no caminho
de quem coloriu meu caminho
das cores mais intensas que já vi.


Gente que sente

A gente às vezes é tolo
às vezes inocente
às vezes, apenas gente
que acredita no futuro novo
respira fundo, finge de morto
segue em frente

Às vezes a gente é semente
às vezes raiz,
preso ao que sente
Às vezes só quer ser capaz
de sentir paz
de curar a dor, sabendo o dolo
de ser alguém, de existir
para alguém
absolutamente




segunda-feira, 25 de setembro de 2017

O mágico mundo de Corridolândia

Pisei timidamente a primeira vez as terras de Corridolândia, bastante assustada até, e estava certa quando pensei que seria rapidamente expulsa de lá. Minha permanência não durou mais que alguns segundos, e saí rapidamente, com certo medo de voltar. Não havia placas ou quaisquer palavras, mas era como se eu ouvisse uma voz gritando, muito alta e agressiva, que aquele lugar não era para mim, que eu não era capaz, que era muita pretensão querer chegar, assim, já com intenção de ficar algum tempo. Ouvi, humildemente, e fui embora.

Mas não foi assim que me ensinaram a lidar com as coisas que me assustam. Não me parecia certo que tantas outras pessoas chegassem ali com aparente tranquilidade, que fossem assim livres para ir e vir pelos portais de Corridolândia e que eu, sem entender o motivo, tivesse meu acesso recusado assim, sem porquê. O que haveria ali de tão misterioso que eu não pudesse conhecer?

Obstinada que sou, voltei a tentar acessar os portais, e pisei aquele território mais uma vez, firme, convicta de que eu haveria de desvendar o mistério. A cada vez que eu tentava, e era expulsa de novo, e tentava outra vez, e era expulsa outra vez, se fortalecia um laço que nasceu discreto, quando tentei retornar, logo no começo, àquele território inóspito. Então, quando nos compreendemos mutuamente, fiz ali meu refúgio.

É fantástico observar o que acontece pelas ruas e trilhas de Corridolândia. As pessoas que passam pelos portais estão todas juntas, muito próximas, mesmo que às vezes aparentem estar tão distantes. Todas têm a mesma direção. Todas estão absolutamente imersas, ensimesmadas, assistindo a lembranças e pensamentos que nem lembravam que tinham, traçando guerras particulares, tecendo monólogos silenciosos; ao mesmo tempo, estão todas atentas ao que lhes acontece ao redor e, ao menor sinal de problema, estarão a postos para ajudar. Emitem também palavras de apoio. É assim que a vida corre por lá. E corre mesmo, em diversos ritmos, mas sempre no limite: independente da velocidade, da experiência ou da aparência, todos estão absolutamente aplicados ao seu melhor, que hoje deve ser melhor do que foi ontem, e amanhã deve ser melhor do que foi hoje - é o que esperam, ao menos.

Ao deixar os portais de Corridolândia, todos levam um troféu. Alguns deles têm peso, cor e forma, carregam números e letras gravados; outros são abstratos - e esses, em geral, são os mais valiosos. Cada um sabe bem o troféu que carrega e, todas as vezes, esses troféus são absolutamente particulares, e muitas vezes não podem ser vistos por outros - são transparentes. Não há peso ou forma física nos troféus dessa natureza, pelo contrário - são esses troféus que tornam o dia mais leve, a vida mais leve, a lágrima mais leve, o sorriso mais leve, o passo mais leve para pisar melhor ali da próxima vez.

A mágica da Corridolândia é difícil de explicar para quem nunca esteve lá ou para quem pisa uma vez, é expulso - como fui - e não se atreve a voltar. E pior ainda para aqueles que tentam voltar mas desistem na segunda ou terceira tentativa, ou ainda, para aqueles que esperam permanecer ali muito tempo, mesmo sem terem conquistado adequada intimidade. A permanência ali é para os curiosos, para os fortes e os perseverantes - e para os loucos, também. Há os que adotam métodos estratégicos calculados para ir e voltar, até conseguirem ficar; há os que simplesmente vão, confiantes de si, certos de que suportarão. Há os que se machucam também - nem tudo são flores naquela terra. Assim como em qualquer mundo, há muitos riscos e, por maior que seja o cuidado e a beleza, o doloroso pode acontecer. Nesse caso, há que se resgatar a obstinação e retornar ao início, agora com mais cautela, mas também com mais experiência - uma combinação que em geral resulta em sucesso.

O mágico mundo itinerante de Corridolândia se constrói e se instala sobre a terra ou sobre o asfalto, nas ruas ou em trilhas, na cidade ou na mata, nas montanhas, nos lagos; assim também, se estende sob o sol ou sob a lua, com céu azul ou cheio de estrelas. Pode existir ou coexistir, em um ou vários lugares ao mesmo tempo, exclusivamente para uma pessoa ou para milhares delas. Mas é certo que, onde houver uma pessoa acessando os portais de Corridolândia, mesmo que sozinha e mesmo que tão timidamente quanto eu, esse mundo mágico se formará imediatamente ali, completo, carregado de frases e de sons, de pensamentos, com suas cachoeiras de endorfina, preparando rapidamente o troféu particular que ela levará consigo, para sempre, a cada vez que deixar suas terras misteriosas.


Patrícia Moresco
(Escrito mentalmente em 24 de setembro de 2017, durante uma permanência de 90 minutos no mundo mágico de Corridolândia)




sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Cantiga para não secar na primavera

Deves preocupar-te não com o que digo,
mas com meu silêncio.
Nele reside o risco.
Porque quando sentir as palavras desperdiçadas,
- e sabendo-as preciosas como são -
será certo que as pouparei.
E por poupá-las, elas que me dão vida,
que me mantém a chama esperançosa,
feixe de luz,
escurecerei.
E ali, nessa forjada noite silenciosa,
secarei, rápida, inevitável, irrecuperável,
como fazem as flores, quando colhidas,
quando privadas da luz que lhes abre os botões.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Amor sem porquê

Eu te amo, não preciso de porquê.
Te amo porque te amo, e não se explica
essa coisa de amar.

Não tem porquê para olhos que acendem
quando vem a lembrança no vento
e põe sorriso no rosto
ameniza o dia penoso
Assim também, não se explica saudade
por tão curta ausência
Despedida adiada, só por vontade
de fitar por mais um minuto

Eu te amo, nem por consciente escolha
nem por atributos que tenha
nem pelo desenho perfeito dos teus lábios.
Te amo porque te amo,
desde que vi, desde sempre
desde algum momento em que nem sabia
que existia amor.

Sinto-me feliz assim,
livre de motivos.
Porque não os preciso;
porque é suficiente saber amar-te;
e porque te amo em perfeita completude
só porque te amo,
sem mais porquês.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Da desconstrução das verdades

Talvez, bem mais importante do que descobrir o que te move, seja descobrir o que te paralisa. Buscar essa resposta é extremamente difícil, e tenho a impressão de que, até a encontramos, mas inconscientemente zeramos a resposta e voltamos a procurar. Há uma certa recusa inconsciente em resolver essa questão, e permanecemos paralisados.

É aterrorizante, de repente, dar-se por conta de que o controle não existe. Que não há verdade senão aquilo que existe agora, neste momento. Nenhuma crença é real e tudo é fugaz nesse mundo inconstante. Apavora perceber o quanto somos ignorantes, o quanto não sabemos, o quanto tudo muda a cada segundo.

Nos últimos tempos, tenho visto minhas verdades sendo destruídas, uma a uma, e fico me perguntando o porquê de estarem assim, caindo, todas em sincronia, nesse grande efeito dominó. Quando me vejo paralisada, percebo que, na verdade, o que me paralisa é o saber que nada sei, é estar sendo exigida a olhar para a vida no agora, neste momento, porque o ontem não existe mais e o futuro - meu Deus, o futuro, caso exista, não será aquilo que eu planejei. Eu declarei verdades que agora vejo que não são minhas, são de outras pessoas. Eu não amo o que acreditei que amava, eu amo o que acreditei que não amava mais; tudo que eu achava que sabia sobre o amor está reescrito agora. Há coisas que eu tinha e que não tenho mais, há coisas que foram levadas de mim com uma arma encostada na minha barriga. Tenho outras coisas que não pedi para ter, mas me foram trazidas pela vida. Os planos todos da semana passada precisaram ser substituídos, ou por outros planos, ou por emergências. Nada mais existe das verdades das quais eu estava tão certa há um ano, há uns meses, há uma semana, ontem. Tudo se renova - e para que algo se renove, pelo menos uma parte precisa morrer.

Hoje, quando compreendo parte da minha pequenez, me percebo às vezes com olhar paralisado, refletindo a paralisia geral que me acomete perante a vida. O que se faz quando tudo resta irremediavelmente colocado no agora?

A vida sem certezas requer coragem e humildade. É preciso ter humildade para admitir que as verdades falharam, que foi um engano, e que a construção daquilo que somos acontece todos os dias. Todos os dias, um prato com novas possíveis verdades é colocado à nossa mesa. E aí é que entra a coragem: deixar de agir, por medo de um novo engano, ou mover-se, ir adiante, com esperança de que essa seja de fato a verdade?

De fato, a esperança nos move. Ter esperança é a única forma de lidar com essa paralisia. Plantar diariamente, alimentar, regar, replantar se for preciso, a semente da "atitude positiva". Diante da incapacidade de lidar com o que paralisa, lembro-me então do poema de Mario Quintana:

"A vida é tão bela que chega a dar medo (...)"

Se até a beleza da vida tantas vezes nos paralisa, que possamos lutar contra a inércia, ter fé, esperança e atitude positiva; sempre em movimento, sempre com olhos que enxergam cores mesmo onde há pouca luz. Que nunca, por maiores que sejam as verdades que vemos caídas, deixemos a falta de esperança nos paralisar. Que possamos nos mover, sempre adiante, sempre acima, em direção àquilo que nos constrói - mesmo que na dor - positivamente.

ASSIM SEJA.

terça-feira, 6 de junho de 2017

Oração

Que sempre haja mar
Sempre azul
Sempre as ondas tocando a sua canção
Sempre o horizonte,
esse toque de paz no coração
Que sempre meus pés sintam o frio
e calor, qualquer que seja a sensação
Que eu sempre possa ver o infinito
e o que nem se vê
Que eu sempre tenha fé
Que eu possa sempre crer, mesmo sem saber
em tudo que existe lá



Flores mortas

Que tolice a minha
pensar que você viria
outra vez sem aviso, de flores na mão
parado no meio do saguão
A cena se repetiria
mas desfaleceu
- doce ilusão -
se nem há mais aquele amor
que te moveu
a me esperar, de flores na mão
parado, no meio do saguão




segunda-feira, 27 de março de 2017

O riso que me fazes

Nasce solto, despido
Livre de amarras, puro de intenções,
feito pluma, querendo ser soprado
e voar, incontido como deve ser,
ecoando às vezes, dançando pelos ares

O riso que me fazes te aspira
Suspira, inspira lentamente
Me enche o peito, o desejo,
me esvazia o pensamento
Me derrete, abre-me inteira
os lábios, a alma,
cada pedaço do corpo
Me atira à vontade de quase morrer
só para que me salves

Nasce, esse riso, desde os pés,
onda de frio, de calor
Arrepia os pelos, vem pelos cabelos
presos nas tuas mãos
Floresce, então, louvável, sagrado,
cada vez novo, cada vez único,
cada vez pleno de encantamento

Ah, o riso que me fazes chega tão doce,
bebe do teu hálito, muda então, olhos de lince
Se contorce pelas tuas curvas
se entrega, simples, sem medos,
sem qualquer sinal de resistência

Não, esse riso não quer mais partir.
Quer ficar mais, até amanhã,
até depois, até para sempre
até onde alcança o futuro
onde os olhos não veem
onde seja sempre assim, perfeita,
tão maravilhosa imperfeição.



quarta-feira, 15 de março de 2017

Salto livre

Chegamos ao ponto do abismo em que
não é possível retroceder.
Porque atrás de nós, também,
por onde viemos,
as pontes cederam.
Saltemos.
É possível que, após a queda,
nos encontremos ainda,
inteiros ou despedaçados
mas vivos, ainda com esperança nos olhos.
É possível que não.

Saltemos,
é o que podemos agora.


segunda-feira, 13 de março de 2017

Conteúdo frágil

Cuidado
não tem aviso na embalagem
E nem parece, mas acredite
Não é de aço, não tem seguro
Pode quebrar

Seja suave
Use sem riscar

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Pupilas dilatadas

Meu deus, que desejo tenho
nos olhos
devo mesmo fechá-los,
apagar minhas luzes
adormecer
anular
o risco iminente

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Lágrima da taça

Demorei tanto para confiar,
entregar além do corpo
Olhei receosa, por tanto tempo,
teus atos, tuas intenções
tuas flores cheias de devoções
tua ausência
os longos dias longe dos meus olhos

Tive tanto medo, tanto tanto
Segui teus passos, me aventurei
Naveguei contigo mares de todas as cores
E te amei,
te amei

Lembro-me daquelas taças todas na mesa,
da primeira vez nos vinhedos
De tantos vinhos, e eu nem sabia
compreender a lágrima da taça
A gota que escorria, espessa,
para dizer
tantas coisas sobre a uva esmagada

Falamos de tantas coisas, você e eu
Tantos sabores
Tanto medo de perder, tantos planos de vida inteira
Até que se calou a voz, secaram as mãos
levemente, lentamente
Não em silêncio, houve o grito, eco
nada suficiente

Eu não sei o que se faz
de tão linda lembrança. Sei que brilha.
Não sei se no sol das areias brancas,
que marcaram meus sonhos realizados,
Não sei se na lua das noites aconchegantes.
Não sei.

Sei que é impossível não ser.
Impossível não sentir ainda
as mãos entrelaçadas
Não sentir saudade de um riso que não existe mais
De uma companhia leve consumida
De uma certeza que, de repente,
está extinta
e escorre, vermelha, conformada,
carregada de marcas, de histórias,
exatamente como a lágrima da taça.


domingo, 15 de janeiro de 2017

Animal

Venha agora, esqueça
o manual de boas maneiras
deixe a barba, o perfume,
não me venha com adiamentos
é urgente, não vê que tremem as mãos
deixe assim, outras coisas ficam para depois
menos nós
não quero calma, nada de coisas certas
seja torto, atravesse, fuja à regra
que tudo transpire, grudem os cabelos
e os cheiros embriaguem até amanhecer
Porque nada importa, tudo urge
tudo é ontem e pode ser tarde amanhã
Veja, seja, me beije
anônimo, instintivo, sem qualquer razão
perfeitamente imperfeito
do jeito que devíamos ser






domingo, 8 de janeiro de 2017

Azul

Como o mar, o céu
a montanha, quase transparente no horizonte,
é assim meu pensamento nesta tarde

E é leve,
e infinito,
e, a despeito das minhas fraquezas,
é puro
como a criança titubeante que observo
a construir castelos na areia.

É que me identifico:
esse mar, essa imensidão,
essa calmaria, essa revolução,
esse silêncio que toca uma canção
a bandeira vermelha, ponto de atenção,
uma solidão em companhia,
sempre amistosa contradição.

E é só paz no meu coração.


quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

À luz da labareda

Entre, apague a luz.

Escute a ordem, obedeça
então inverta
antes apague a luz
só depois entre
em mim
sinta: o que não se vê
se amplifica
se faz, do jeito que se quer
os dedos, as partes que o sol não toca
tem calor, tem suor
tem som, respiração
canção de delirar

Apague a luz, nunca a labareda
mantenha viva, queime, queime,
deixe queimar.

domingo, 1 de janeiro de 2017

Enquanto dormes

Não pretendo que sejas perfeito.
Observo teus olhos
teus pelos, a linha da tua mandíbula,
dos lábios
tua respiração
teu cheiro, que vem no vento,
e só te amo.
Simples, certo,
assinado pelo meu melhor arrepio,
dispensável de mais esclarecimentos.