domingo, 1 de dezembro de 2013

Josés e Marias

(1999)

Os versos que sempre escrevi
fatos, que às vezes vivi,
têm algo que inventei.
Mas nada foi tão real
nada foi tão racional
como a lágrima que ora chorei.

Olho para mim, reclamo,
mas todas as pessoas que amo
têm para comer e viver;
e mesmo tão arrufadas
sabem que um dia, já esgotadas
terão um lugar pra jazer

Não sei por que, é engraçado:
de repente, olhei pro lado,
e nunca me espantei assim.
Era um mundo silencioso
vasto e superpopuloso
que estava tão perto de mim!

E sempre, a cada momento,
na esquina da rua e do tempo,
formava-se igual história:
muitos Josés e Marias
singelas estrebarias
que já não eram de glória.

Maria, mulher sofrida,
quando não tinha comida,
ninava seu filho sem nome.
Adormecendo o menino,
lutava contra o destino:
no sono, esquecia da fome.

José muito pouco sabia
e mesmo na dor que sofria
a amar ensinava a criança.
Mas a realidade da rua
que era uma coisa tão sua,
tinha um querer de vingança.

Veja se pode entender:
as vidas que tentam vencer
mesmo juntas, vivem sós!
E a nossa cabeça, erguida,
se passa despercebida
do mundo abaixo de nós.

A busca tão repetida
de grãos pra manter a vida
não passa na televisão
Porque a propaganda e sua fama
(cenas de luxo e de cama)
dispensam catar papelão

Milhões de Josés e Marias,
sem sonhos, sem fantasias,
e uma verdade esquecida.
E essa visão, tão medonha,
me queima, me fere, envergonha,
por ter reclamado da vida.

Mas o que tocou mais profundo
foi perceber que esse mundo
em vão almejava vencer
Porque a cada vez a promessa
era esquecida depressa
por quem alcançava o poder.

E o que me deixa mais triste
é saber que a história existe
sempre, e é fato recente:
no triste episódio narrado
os verbos estão no passado
mas a recorrência é presente.






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