A negação é a uma das fases mais difíceis que enfrentamos depois de um evento ruim, ou de um trauma. As pessoas ao nosso redor tornam tudo mais difícil com suas frases de consolo que são absolutamente decoradas, fazem parte do vocabulário que aprendem na infância:
- Para Deus, tudo tem um sentido!
- Deus sabe o que faz!
- Nada é por acaso!
- Pense que poderia ser pior, você poderia ter morrido!
Na verdade, para quem está numa situação de depressão ou de sofrimento intenso físico ou emocional, dizer que "ter morrido" seria "pior" é a coisa mais sem sentido do mundo. Tivesse morrido, não haveria tamanho sofrimento. Fim! Mas não, você sobreviveu e agora precisa passar por tudo isso. E as outras frases, então? Deus sabe o que faz? Nada é por acaso?
No meu caso, fui atropelada por uma pessoa que dirigia num local proibido. Realmente: eu tinha um plano de saúde, fui atendida por pessoas maravilhosas, não quebrei nada, tive fissuras sérias em ossos que poderiam (ou deveriam, segundo o médico) ter me deixado com paralisia facial, tive TCE e uma lesão cerebral mas numa região que afetou apenas meu emocional e minha personalidade - ou seja, poderia ter sido muito pior! Mas e aí? Devo agradecer? Devo ser grata à pessoa que dirigia em local proibido? Devo ser grata pelos dias que passei hospitalizada durante minhas férias, num local a milhares de quilômetros da minha casa? Foi Deus quem colocou aquela pessoa ali? Foi o destino? Devo mandar flores à pessoa que sequer quis saber se eu havia sobrevivido? Que não se dignou a perguntar a meu esposo se ele precisava de ajuda por estar absolutamente sozinho, com a esposa hospitalizada e semiconsciente, num local de estranhos, por vários dias?
Então, digamos que o acaso de fato não exista, e que foi Deus quem quis assim. Ficaria assim:
"Era uma vez a Patrícia. Uma bela manhã, no sétimo dia de sua viagem de férias, eu, Deus, a cutuquei logo ao acordar, para que ela se sentisse incomodada. Cada roupa que ela vestia era desaprovada por mim, e eu sussurrava isso no seu ouvido. Eu fiz com que o café da manhã dela estivesse ruim, ela reclamou. Eu fiz com que ela subisse para trocar outra vez de roupa depois do café da manhã. Eu fiz com que ela esquecesse o documento pessoal, e depois, quando o ônibus chegou para levá-la para conhecer as famosas dunas, eu coloquei na rua uma motorista para a atropelar no momento em que ela voltava para o hotel para buscar os documentos. Porque eu sou Deus, e tenho um caminho lindo para a Patrícia, mas que só vai se concretizar se ela passar por tudo isso."
Acreditar que nada é por acaso e que o destino é escrito por Deus é acreditar nessa historinha totalmente sem sentido. E eu acredito em Deus? Sim! Eu acredito! E por isso não acredito nessa história, jamais! Mas... e então?
Eu contaria a história de uma forma mais ou menos assim:
"Uma bela manhã, Patrícia acordou enfraquecida espiritualmente. Assim, as forças do Universo, que se dividem em positivas e negativas, a afetaram negativamente naquele dia: tudo estava torto. Ela teve um amanhecer conturbado, apesar da boa expectativa com sua viagem para as dunas, e no meio daquilo tudo esqueceu seu documento. Quando precisou voltar ao hotel para buscá-lo, o fez exatamente no momento em que uma mulher, humana, falha, dirigia pela rua em local proibido, e a atropelou."
É simples, e Deus não tem nada a ver com isso. Deus não pode ser responsabilizado pelas falhas da humanidade, porque cada um de nós escolhe o que fazer, como fazer, por que fazer. As tragédias são o acaso, são o inevitável diante das nossas atitudes. Ninguém tem culpa, apenas nós, cada um de nós.
Mas aí, depois de tudo isso, entra em ação uma outra questão que me faz seguir confiante: a fé. Ter fé não é necessariamente acreditar num Deus e esperar que ele haja para resolver nossos problemas. Mas a fé move, sim, nossas montanhas interiores. Eu acredito no acaso, na tragédia, no inevitável - mas acredito também que, uma vez que erramos, falhos que somos, acreditar no bem atrai para nós todas as energias positivas do Universo, e então o panorama começa a mudar.
Ouço muitos nomes para essa energia positiva que nos afeta, mas costumo chamar a minha de "Anjo da Guarda": um ser, energia do bem que me acompanha, que me protege, que me segurou no colo para que eu não arrebentasse a cabeça naquele atropelamento. Meu anjo da guarda já trabalhou tanto nessa vida! Meu anjo segue comigo. Eu acredito no meu anjo. E agradeço tanto ao meu anjo, porque ele me conduz após todas as tragédias e acasos que eu causo no meu impulso falho de ser humano. Com a minha fé, e com a sua luz, não importa o quão fortes sejam as consequências do inevitável, eu andarei por caminhos que sempre irão compensar qualquer sofrimento. E assim, nessa relação de troca, eu consigo afirmar que o que tenho e sou hoje - isso sim - não é por acaso: é consequência de uma tragédia que, por sua vez, foi por acaso.
Porque apesar da tragédia eu me prefiro assim, como sou hoje, com essa personalidade alterada, mais firme, sem maiores dramas e com muito mais interrogações. E isso que sou é absolutamente definido de uma única forma: o que sou hoje é imensamente melhor do que fui, e é fruto de um acaso transformado pela fé, pela crença na energia positiva que me guia pelos caminhos do bem.
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