Falo daqui da Paraíba, pois sabe? Sou pisciana e agora entendo porque é que já estou falando um pouquinho assim anasalado já: uma vez li que o pisciano tende a se transformar em quem convive.
- E agora, José?
Agora tudo certo, porque daqui alguns dias já estarei em Curitiba, tomando meu leitE quentE no conforto do lar.
Mas por aqui a gente passa uns apertos com o tal do português.
Fui à farmácia mais próxima do hotel, umas duas horas da tarde. A moça estava no balcão, mas quando tentei entrar, a porta estava fechada.
Com toda minha educação e medo de ser inconveniente, perguntei, antes de entrar, quando ela abriu a porta:
- Vocês já estão em horário de atendimento?
- Héin? - a moça não entendeu, aumentou os olhos e franziu o nariz, como fazem por aqui quando não entendem alguma coisa. Vale comentar que o "hein" daqui tem acento agudo no "e", assim como eu escrevi mesmo. Repeti:
- Vocês já estão em horário de atendimento?
- Hã?
Pausa na história para comentar uma coisa engraçada por aqui, que é que o "hã" daqui é o mesmo "rã" do Paraná. O h e o j por aqui tem aquela coisa anasalada, por exemplo: ao invés de dizer JAcaré, a gente diz HÁcaré. Deu pra entender?
Por outro lado, quando você está fazendo uma afirmação, a frase começa e termina com "já":
- Já cheguei já! (leia-se: háxeguêjá)
- Já estamos indo dormir já! (leia-se: hátamuinudumijá)
Algo assim, fácil fácil de contaminar. Ontem por exemplo saiu, falando com a minha mãe ao telefone:
- Já tamos na cama já! (pronunciada assim, normal, só acrescentando o já no final - o que já é um indício de contaminação)
Mas o que mais nos confunde por aqui é o "Pronto!"
"Pronto" pode ser usado em diversas situações, sempre positivas, geralmente no começo das frases, por exemplo substituindo:
Então - "Pronto (então), você pode seguir por essa rua mesmo."
Ok - "Pronto (ok). Vamos esperar."
Sim - "Você pode me dar a receita desse bolo?" / "Pronto (sim)!"
Concordo - "Pronto (concordo)."
Aí fudeu - "A moça atravessou a rua e o carro pegou, aí pronto!
E por aí vai. Pronto é a primeira palavra que a gente precisa aprender a interpretar nessa terra. Entendeu? Pronto!
E aí tem que ter um certo cuidado com os pedidos de comida. No café da manhã, pedi uma tapioca com queijo e goiabada.
- Qual queijo? - perguntou a tapioqueira.
- Queijo comum mesmo! - respondi.
Por sorte, ela repetiu, para confirmar:
- Pronto, então uma tapioca com goiabada e queijo coalho na chapa!
Aí deu tempo de salvar e dizer que não, era com queijo mussarela - o que é queijo comum para cada um?
Ontem à noite, fazendo um pedido pelo telefone para servir o jantar no quarto, perguntei à moça que atendeu se o tamanho da porção de filé mignon servia duas pessoas.
- Depende do tamanho da sua barriga! - ela respondeu, bem feliz.
- E essa porção de iscas de peixe... Qual peixe é?
- Peixe comum mesmo!
- Certo... Mas qual peixe é o peixe comum?
- Ah, daí a senhora me pegou! Mas é bem bom o peixe, viu?
Por via das dúvidas, pedimos os dois.
Mas voltando à história da farmácia, quando a moça não entendeu minha frase pela segunda vez, quase silabei, como se fosse uma turista brasileira falando português no exterior:
- JÁ-ES-TÃO-A-TEN-DEN-DO?
Aí veio a resposta:
- Pronto!
Meu marido depois me ensinou como proceder numa situação parecida: a solução é economizar vocábulos. Eu deveria ter dito rapidinho:
- Já tá atendendo já? (leia-se: játatendenujá?)
Hoje vamos comprar um dicionário para aprender um pouquinho mais e estarmos mais aptos para a comunicação na próxima visita. Por exemplo, a gente precisa aprender se quer a coca-cola lata ou ks(?), ou se quer comer um bife zoiúdo no almoço, ou cuidar para não pedir paçoca esperando a sobremesa e receber um prato de carne de sol refogadinha, toda linda, igualzinha à paçoca que você esperava - só que não.
Delícias e perigos dessa Paraíba que eu já amo tanto já.
quinta-feira, 10 de abril de 2014
Cicatrizar
Nenhuma das cicatrizes deve doer
nem mais
que o suficiente para despertar a gratidão
nem menos
que o suficiente para despertar a lembrança
Mas cada cicatriz deve doer sempre e para sempre
a mesma dor que aperta a emoção
contida no peito
a dor tão grata de quem deseja não desistir jamais
De ter sempre nos olhos aquela mesma cor
aquela mesma luz, mesma paz
aquela mesma risca branca na pele
simples marca,
sagrada cicatriz.
quarta-feira, 9 de abril de 2014
Meus lençóis
Não quero o linho, a seda, nada,
eu, que me deleito, me reencontro
com algo que fui e que não sei
sempre nos mesmos lençóis
de areia
Assinar:
Postagens (Atom)