sábado, 18 de fevereiro de 2006

Separação

Escuta aqui, dona Inspiração,
a senhora poderia conceder-me uma trégua?
Estou cansada, já não agüento mais
esta história de frases boiando pela minha cabeça.
Precisa mesmo ficar me dizendo o tempo todo
que um besouro ou um raio ou um bêbado
podem me render uma poesia?
Eu poderia por acaso ler o meu livro em paz
sem ficar pensando que seria aquele assunto
um ótimo poema?
Escuta, vamos dar um tempo,
que eu não consigo mais sustentar a nossa relação.
Eu não tenho tempo suficiente para toda esta atenção
e depois você fica aí, amuada,
quieta pelos cantos, emudecida,
querendo não atender o meu pedido quando eu preciso,
me deixando assim perdida à toa
Não, não pode ser,
isso só pode ser egoísmo de sua parte
O tempo todo, o tempo todo,
sem me deixar escovar os dentes sossegada!
Então podemos fazer assim:
eu me sento no chão, com papel e caneta,
e vem a senhora com a sua palmatória,
e fazemos um lindo ditado com todas estas frases
que agora estão aqui dançando e dançando e dançando
e deixo meus afazeres por sua conta
eu largo tudo, me sento abandonada aos seus pés.
É isso que deseja, senhora ameaçadora,
jogando estas palavras como quem diz
“pegue-as agora ou vou jogá-las fora,
vou apagá-las para sempre
vou fazer delas borboletas mortas”?
Estou extenuada, mórbida, sonolenta,
vamos dar um tempo, vamos dar um tempo até amanhã
e então a gente volta a conversar
porque agora estou farta, zonza, rebelde,
não quero mais discutir a nossa relação.

Um comentário:

Anônimo disse...

Desde quando você tem essa inspiração, Patrícia?
A minha estava adormecida há quinze anos e quando veio, foi como o trânsito quando acaba um engarrafamento.
Todos querem passar ao mesmo tempo.
Agora tudo está mais tranquilo.
Parabéns.